sexta-feira, 24 de julho de 2015

Viagem à União Soviética - Parte I.

Irei publicar nesse Blog uma série de textos do bancário Asdrubal A. de Assis. O Sr. Asdrubal era militante do Sindicato dos Bancários de Pernambuco nos anos 60 e em 1962 viajou à União Soviética e ao Leste Europeu. Cronista de talento e observador atento, o Sr. Asdrubal relatou suas experiências em uma série de textos no Jornal do Bancário, órgão do sindicato no período. O responsável por esse blog está tendo acesso aos arquivos históricos do Sindicato e começará a socializar alguns textos que considera importantes para as questões da atualidade. 

Como última questão, é necessário frisar que a linguagem do texto é de acordo com a ortografia da época. Será notada várias diferenças em relação a forma atual como escrevemos, mas nada que inviabilize a leitura. 

Jornal do Bancario, ano 3, Nº 4, 1962.

 
RUMO A MOSCOU - ASDRUBAL A. DE ASSIS

A estação de passageiros do aeroporto de Copenhague preenche os requisitos de confôrto dos passageiros mais exigentes. Boas poltronas, bares, restaurantes, belas lojas que são uma verdadeira vitrine do país. O sortimento é mag-
nífico, Limito-me porém, a comprar postais e sêlos, usando a moeda de curso internacional: o dólar. Não há problema de câmbio. O trôco é dado na mesma moeda da compra. No bar servi-me de suco de laranja enlatado, de procedência
americana, pagando 35 centavos de dólar pela deliciosa be-
bida. Uns companheiros pretendem provar a cerveja dina-
marquesa. Advirto-os de que não devem fazer o cálculo
da despesa em cruzeiros, sob pena de perdemos o apetite...


Da mesa onde estou sentado contemplo o pátio de
manobras do aeroporto, onde está caindo aquela garôasinha
gelada quan tanto me maltratou a cabeça desprotegida quan-
do desembarquei. Noto agora que não é mais a chuva. São
flocos muito finos, ou fiapos de algodão. Aproximo-me da
vidraça e constato que efetivamente é neve o que está cain-
do. O chão já está ficando branco, recoberto de uma cama-
da muito fina. Este é o nosso primeiro contacto com o in-
verno europeu, que se inicia nesta época do ano. Estamos
nos últimos dias do outono, segundo o calendário, mas, para
todos os efeitos, o inverno já começou nestas latitudes. Co-
mo nos destinamos a latitudes ainda mais elevadas, imagino
o que nos aguardará em Moscou, cidade de clima continen-
tal, como calores excessivos no seu curto verão e frio polar
no rigor do inverno.Quando olho para o meu capote leve,
imagino o que vai ser a chegada em Moscou, principalmente
sem chapéu e sem luvas.

Por fim somos chamados ao portão de embarque, de
onde nos encaminhamos para o IL-18, poderoso turbo-héli-
ce de fabricação soviética, operado pela AEROFLOT, que
se acha pousado no pátio de manobras. Corro para o avião
Levantando a gola do sobretudo e protegendo-me do frio
como posso. Penso em apanhar um resfriado e comprometer o
programa da viagem. A bordo do avião, porém, no ambien-
te aquecido, sinto-me garantido. Partimos com uma escla
prevista em Estocolmo, mas a rota é alterada durante o
voo devido às más condições atmosférias na capital sueca.
O aparelho voará agora direto a Moscou.

O IL-18 e meu primeiro contacto com as coisas so-
viéticas. O avião leva poucos passageiros nesta viagem. Al-
guns são soviéticos de regresso ao seu país. Uma senhora na
poltrona da frente lê um livro que depois identifico como
uma obra de Checov. Um casal, com um bebé de braço,
deve estar regressando de Londres ou Nova Ioarque, a jul-
gar polos pacotes embrulhados em papel com o nome da
loja onde foram adquirir impressos em inglês. Como de
praxe, a parte reservada à classe turística tem uma fila du-
pla de poltronas de uma lado e uma tripla do outro lado.
Os dizeres em russo - inclusive o clássico aviso sôbre a
porta: "Não fume. Use cintos" - são a novidade. As aero-
moças falam inglês com os passageiros estranheiros. Na de-
colagem oferecem balas. Usam tailleur azul marinho, com
o destintivo da AEROFLOT bordado, blusa branca, sapato
baixo e penteado simples. São jovens, ao contrário do que
já lera em alguma parte. Se não me engano, foi um jornalis-
ta brasileiro que declarou que os aviões soviéticos eram ser-
vidos por "aerovelhas"...

Depois da distribuição de belas, as aeromoços se re-
tiraram para descansar nas poltranas da parte posterior do
aparelho e só voltaram a aparecer na hora de servir o jantar.
Nas empresas capitalistas o serviço de bordo é ininterrupto
e o passageiro é alvo constante de atenções durante todo o
vôo. Não param de servir comida e bebida. Aliás, no preço
da passagem o serviço de bordo entre como uma parcela
ponderável do cálculo das companhias aéreas, que se dão
a verdeiros requintes gastronômicos. Numa viagem na
linha Nova Iorque-Rio, testemunhei o tratamento principes-
co oferecido pela VARIG, com cardápio de restaurante de
alto luxo, incluindo caviar, champagne e licores de tôdas as
procedência. Os soviéticos não se dão a êsses luxos nas
viagens aéreas. Aliás, os americanos criaram e os brasileiros
estão imitando o chamado "coach-service", ou seja, viagem
a sêco, sem refeição incluída na passagem para barateá-la.
A AEROFLOT não vai a extremos, preferindo as refeições
simples, sem requintes. O pessoal de bordo, embora cortês,
não se multiplica em mil atenções ao passageiro, sendo in-
compavelmente mais folgado o serviço das comissárias,
que por sua vez não tem a elegância das ocidentais. A mu-
lher não é usada na URSS como atração, não estando a be-
leza feminina incluída no preço das coisas que se compram

Aproximamos-nos de Moscou. O avião está baixando
e podemos apreciar, através da janela, a cidade lá em baixo.
Ao contrário do que esperava, a visibilidade é ótima e as
luzes se destacam na noite, mostrando uma cidade plana,
compacta, espalhando-se a perder de vista. Lembra-me uma
chegada a São Paulo, num noite assim.

Por fim aterramos e os passageiros começam a saltar.  

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