Irei publicar nesse Blog uma série de textos do bancário Asdrubal A. de Assis. O Sr. Asdrubal era militante do Sindicato dos Bancários de Pernambuco nos anos 60 e em 1962 viajou à União Soviética e ao Leste Europeu. Cronista de talento e observador atento, o Sr. Asdrubal relatou suas experiências em uma série de textos no Jornal do Bancário, órgão do sindicato no período. O responsável por esse blog está tendo acesso aos arquivos históricos do Sindicato e começará a socializar alguns textos que considera importantes para as questões da atualidade.
Como última questão, é necessário frisar que a linguagem do texto é de acordo com a ortografia da época. Será notada várias diferenças em relação a forma atual como escrevemos, mas nada que inviabilize a leitura.
Jornal
do Bancario, ano 3, Nº 4, 1962.
RUMO A MOSCOU - ASDRUBAL A. DE ASSIS
A estação de passageiros do aeroporto de Copenhague preenche os requisitos de confôrto dos passageiros
mais exigentes. Boas poltronas, bares, restaurantes, belas
lojas que são uma verdadeira vitrine do país. O sortimento é
mag-
nífico, Limito-me porém, a comprar postais e sêlos,
usando a moeda de curso internacional: o dólar. Não há
problema de câmbio. O trôco é dado na mesma moeda da compra. No bar servi-me de suco de laranja enlatado, de
procedência
americana, pagando 35 centavos de dólar pela deliciosa
be-
bida. Uns companheiros pretendem provar a cerveja dina-
marquesa. Advirto-os de que não devem fazer o cálculo
da despesa em cruzeiros, sob pena de perdemos o
apetite...
manobras do aeroporto, onde está caindo aquela
garôasinha
gelada quan tanto me maltratou a cabeça desprotegida
quan-
do desembarquei. Noto agora que não é mais a chuva.
São
flocos muito finos, ou fiapos de algodão. Aproximo-me
da
vidraça e constato que efetivamente é neve o que está
cain-
do. O chão já está ficando branco, recoberto de uma
cama-
da muito fina. Este é o nosso primeiro contacto com o
in-
verno europeu, que se inicia nesta época do ano.
Estamos
nos últimos dias do outono, segundo o calendário, mas,
para
todos os efeitos, o inverno já começou nestas
latitudes. Co-
mo nos destinamos a latitudes ainda mais elevadas,
imagino
o que nos aguardará em Moscou, cidade de clima
continen-
tal, como calores excessivos no seu curto verão e frio
polar
no rigor do inverno.Quando olho para o meu capote
leve,
imagino o que vai ser a chegada em Moscou,
principalmente
sem chapéu e sem luvas.
Por fim somos chamados ao portão de embarque, de
onde nos encaminhamos para o IL-18, poderoso
turbo-héli-
ce de fabricação soviética, operado pela AEROFLOT, que
se acha pousado no pátio de manobras. Corro para o
avião
Levantando a gola do sobretudo e protegendo-me do frio
como posso. Penso em apanhar um resfriado e
comprometer o
programa da viagem. A bordo do avião, porém, no
ambien-
te aquecido, sinto-me garantido. Partimos com uma
escla
prevista em Estocolmo, mas a rota é alterada durante o
voo devido às más condições atmosférias na capital
sueca.
O aparelho voará agora direto a Moscou.
O IL-18 e meu primeiro contacto com as coisas so-
viéticas. O avião leva poucos passageiros nesta
viagem. Al-
guns são soviéticos de regresso ao seu país. Uma
senhora na
poltrona da frente lê um livro que depois identifico
como
uma obra de Checov. Um casal, com um bebé de braço,
deve estar regressando de Londres ou Nova Ioarque, a
jul-
gar polos pacotes embrulhados em papel com o nome da
loja onde foram adquirir impressos em inglês. Como de
praxe, a parte reservada à classe turística tem uma
fila du-
pla de poltronas de uma lado e uma tripla do outro
lado.
Os dizeres em russo - inclusive o clássico aviso sôbre
a
porta: "Não fume. Use cintos" - são a
novidade. As aero-
moças falam inglês com os passageiros estranheiros. Na
de-
colagem oferecem balas. Usam tailleur azul marinho,
com
o destintivo da AEROFLOT bordado, blusa branca, sapato
baixo e penteado simples. São jovens, ao contrário do
que
já lera em alguma parte. Se não me engano, foi um
jornalis-
ta brasileiro que declarou que os aviões soviéticos
eram ser-
vidos por "aerovelhas"...
Depois da distribuição de belas, as aeromoços se re-
tiraram para descansar nas poltranas da parte
posterior do
aparelho e só voltaram a aparecer na hora de servir o
jantar.
Nas empresas capitalistas o serviço de bordo é
ininterrupto
e o passageiro é alvo constante de atenções durante
todo o
vôo. Não param de servir comida e bebida. Aliás, no
preço
da passagem o serviço de bordo entre como uma parcela
ponderável do cálculo das companhias aéreas, que se
dão
a verdeiros requintes gastronômicos. Numa viagem na
linha Nova Iorque-Rio, testemunhei o tratamento
principes-
co oferecido pela VARIG, com cardápio de restaurante
de
alto luxo, incluindo caviar, champagne e licores de
tôdas as
procedência. Os soviéticos não se dão a êsses luxos
nas
viagens aéreas. Aliás, os americanos criaram e os
brasileiros
estão imitando o chamado "coach-service", ou
seja, viagem
a sêco, sem refeição incluída na passagem para
barateá-la.
A AEROFLOT não vai a extremos, preferindo as refeições
simples, sem requintes. O pessoal de bordo, embora
cortês,
não se multiplica em mil atenções ao passageiro, sendo
in-
compavelmente mais folgado o serviço das comissárias,
que por sua vez não tem a elegância das ocidentais. A
mu-
lher não é usada na URSS como atração, não estando a
be-
leza feminina incluída no preço das coisas que se
compram
Aproximamos-nos de Moscou. O avião está baixando
e podemos apreciar, através da janela, a cidade lá em
baixo.
Ao contrário do que esperava, a visibilidade é ótima e
as
luzes se destacam na noite, mostrando uma cidade
plana,
compacta, espalhando-se a perder de vista. Lembra-me
uma
chegada a São Paulo, num noite assim.
Por fim aterramos e os passageiros começam a
saltar.
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