símbolo da PF |
Nos
últimos anos da política brasileira, a Polícia Federal (PF) está no centro dos
holofotes. Protagonista de grandes operações policiais de ampla cobertura
midiática e ator político central desde o golpe jurídico-parlamentar que
destituiu a presidenta Dilma, as ações da PF ganham novos ares de controvérsia
com sua ofensiva contra as universidades públicas. Primeiro, na Universidade
Federal de Santa Catarina, realizou uma operação policial extravagante com base
em provas duvidosas que teve como resultado o suicídio do ex-reitor
desmoralizado publicamente (o ex-reitor sofreu o mesmo tratamento que as
milhares de vítimas diárias do aparato repressivo do Estado burguês).
Recentemente
foi a vez da Universidade Federal de Minas Gerais ser alvo de uma operação
igualmente espetaculosa com ares de operação de guerra e com base em provas
também frágeis para dizer o mínimo (isso considerando, é claro, as provas até
agora apresentadas). O sentido político das ações da PF é bastante evidente:
desmoralizar as universidades públicas taxando-as como antros de corrupção num
momento de brutal ofensiva contra essas instituições por parte do Governo
Federal com intento de realizar privatizações em benefício dos grandes
monopólios da educação.
Se o
sentido político das iniciativas da PF é bastante evidentemente, o processo
histórico e político de sua subida ao primeiro plano do aparato do Estado, ao
ponto de ter um papel central no golpe de 2016, é bem menos conhecido. Aliás, a
partir de 2016, como que um despertar de um sono profundo, as organizações do
campo democrático-popular, especialmente o PT e a Consulta Popular, passam a
relembrar a existência do... imperialismo. Como durante anos o termo/conceito
imperialismo era proibido, preferindo ideologias como “cenário internacional”
ou “atores globais”, o processo de transformação da PF num aparelho com amplas
ramificações com o Estados Unidos simplesmente não foi debatido como um
problema e combatido.
Nosso
objetivo nesse texto não é traçar um amplo histórico da estruturação da PF e
buscar explicar, ainda que minimamente, como e por que ela tomou esse papel no
aparato do Estado na atual cena política. Buscamos algo bem menos ousado:
queremos tão somente lembrar dos sinais gritantes de interferência/controle do
imperialismo estadunidense sobre a PF nos anos dos governos petistas e como
esse processo foi ignorado a partir da ideologia do republicanismo ingênuo que
dominou os setores majoritários da esquerda brasileira nos últimos anos – e que
mostra uma incrível persistência.
O PT,
ainda antes de chegar ao governo, embora esse processo tenha se acelerado com a
primeira vitória de Lula, abandonou o marxismo e o socialismo como referência
estratégica e concepção de mundo. Luta de classe, imperialismo, relações de
produção, superexploração da força de trabalho, Estado burguês e outros
conceitos críticos foram trocados pelas ideologias da moda.
As
mudanças que se verificam não se operam aleatoriamente, mas no sentido de
recolocar a consciência que se emancipava de volta nos trilhos da ideologia.
Não é, em absoluto, certas palavras-chaves vão substituindo, pouco a pouco,
alguns dos termos centrais das formulações: ruptura revolucionária por
rupturas, depois por democratização radical, depois por democratização e
finalmente chegamos aos “alargamento das esferas de consenso”; socialismo por
socialismo democrático, depois por democracia sem socialismo; socialização dos
meios de produção por um controle social do mercado; classe trabalhadora, por
trabalhadores, por povo, por cidadãos; e eis que palavras como revolução,
socialismo, capitalismo, classes, vão dando lugar cada vez mais marcante para
democracia, liberdade, igualdade, justiça, cidadania, desenvolvimento com
distribuição de renda. A consciência só expressa em sua reacomodação no
universo ideológico burguês, nas relações sociais dominantes convertidas em
ideias, a acomodação de fato que se operava no ser mesmo da classe no interior
destas relações por meio da reestruturação produtiva e o momento geral de
defensiva na dinâmica da luta de classe [1]
Nesse
processo o PT adotou o republicanismo ingênuo como mote ideológico de ação e
prática. O republicanismo ingênuo é a ideologia que afirma existir o
funcionamento de um Estado pautado nos interesses públicos sem contaminações
privatistas onde as instituições desse Estado atuam em equilibro na divisão de
poderes e competências baseadas em critérios técnicos e legais e que os
agentes, isto é, os sujeitos dessas instituições, devem pautar-se pela isonomia
e neutralidade político-ideológica – normalmente os países centrais do
capitalismo, como os EUA, são apontados como o exemplo de republicanismo, e o
Brasil, pobre diabo, sofre porque ainda não conseguiu chegar lá por culpa do
patrimonialismo, populismo, nacionalismo ou qualquer outra invenção da
ideologia dominante.
Nos
anos do petismo, enquanto projeto de conciliação de classe e gestão da ordem,
todas as medidas de aprofundamento da dependência e da dominação imperialista
legadas pelos governos anteriores foram mantidas e/ou aprofundadas. Na questão
da PF a tônica não foi diferente. Segundo reportagem do Jornal Folha de São
Paulo, aparelho ideológico insuspeito de “esquerdismo”, em 2004 (primeiro
Governo Lula) a CIA participou da Operação Vampiro da PF que “desmantelou uma
quadrilha que atuava em fraudes contra o Ministério da Saúde na compra de
medicamentos” [2].
A
participação da CIA junto a PF nessa operação não foi um raio em céu azul.
Mantendo a tradição legada por FHC, a CIA, DEA e FBI, continuaram podendo atuar
livremente no Brasil nos anos do PT e estabelecer várias “parcerias” com a PF.
Em 7 de janeiro de 2003, segundo o jornal Estadão, causava polêmica entre os
policiais federais o valor de 10 milhões de reais vindos dos EUA para a PF,
metade repassado pela DEA (o único critério seria usar esse dinheiro no combate
às drogas que teriam os EUA como destino). O presidente na época da Federação
Nacional de Policiais Federais (Fenapef), Francisco Garisto, afirmou ao Estadão
que é “um dinheiro maldito que causa muita discórdia na PF” [3].
Aparentemente,
a “discórdia” não impediu a continuidade das parcerias. Em 2010 (primeiro
governo Dilma) foi formalizado um acordo entre PF e Embaixada dos EUA no
Brasil. O “acordo”, na época, foi duramente criticado por Walter Maierovitch
(jurista e ex-secretário nacional antidrogas). Segundo Maierovitch –
personalidade insuspeita de falta de simpatia com o petismo -, “Opinei pela não
oficialização do convênio, em relação às drogas, porque era um acobertamento
para a espionagem desenfreada, sem limites” [4]. Ainda em 2010, Alexandre
Ferreira, presidente da Fenapef, afirmou “O que mais tem é americano travestido
de diplomata fazendo investigação no Brasil”.
Ainda
segundo a reportagem da Folha de São Paulo que estamos citando, cinco bases da
PF funcionam no combate ao terrorismo (uma ameaça iminente ao Brasil, não é
mesmo?!): Rio, São Paulo, Foz do Iguaçu e São Gabriel da Cachoeira. Todas
contam com tecnologia e equipamentos da CIA e há “agentes americanos atuando em
parceria com os brasileiros” – uma pesquisa rápida no google mostra que era
tema de conhecimento nacional divulgado em praticamente todos os jornais da
grande mídia que agentes da CIA atuavam livremente e sem qualquer controle no
Brasil.
As
denúncias reveladas por Edward Snowden não foram suficientes para a presidente
Dilma tomar uma postura concreta contra a livre ações dos órgãos do
imperialismo. Além de um discurso firme, nenhuma medida concreta, muito menos
revogar todas as parcerias da embaixada dos EUA com a PF, foi tomada. O Governo
brasileiro aceitou a espionagem da CIA e NSA como um fato e parecia lamentar,
apenas, a descoberta pública. Foram mais de 13 anos de petismo e absolutamente
nenhum combate à interferência dos EUA em aparelhos repressivos estratégicos
como a PF.
Durante
todos esses anos o petismo sustentou um discurso ingênuo baseado num
republicanismo vira-lata de que agora a PF tinha autonomia para atuar e a
política não interferia nas suas operações. Citando sempre as ações do Governo
FHC para impedir investigações (denúncia verdadeira), o petismo orgulhava-se da
finalmente conquistada “autonomia profissional” da PF. A situação ficou
constrangedora quando a PF, aquela finalmente profissionalizada, passou a ser
um claro instrumento de derrubada do PT do governo: nesse momento, e só nesse,
as vozes petistas lembraram-se de indagar sobre as forças políticas presentes
no seio da PF – era tarde.
Se essa conjuntura valer de algo, creio que a
primeira coisa deve ser destruir de vez todas as ilusões do republicanismo
ingênuo. Nenhuma instituição é neutra e técnica destituída de sentido político
e de disputas políticas em seu seio. Na política não existe espaço vazio.
Resta, nesse momento, além de combater as ações policialescas da PF, tentar o
mais rápido possível entender no que a instituição se transformou nesses
últimos anos e a quais interesses [e como] responde.
[1] - Mauro Luis Iasi. As metamorfose da consciência de classe – o
PT entre a negação e o consentimento. Expressão Popular.
[1] – http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/09/1342289-agentes-da-cia-conseguem-atuar-livremente-no-brasil.shtml
[2] –
http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,policial-confirma-que-pf-recebe-dinheiro-da-cia-e-fbi,20040413p12606
[4] - http://www.apn.org.br/w3/index.php/america-latina-brasil/5828-policia-federal-da-cobertura-espioes-da-cia-no-brasil
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