Por José Luis
Rodríguez - foi o
Ministro da Economia e Planejamento de Cuba. Foi também vice-presidente do
Conselho de Ministros de Cuba e membro eleito da Assembleia Nacional de Cuba | Tradução do Diário Liberdade
I
Este ano
completam-se 25 anos do desaparecimento da União Soviética, ocorrido em 25 de
dezembro de 1991, após um processo de decomposição que fez naufragar a maior
experiência de transformação social na história da humanidade.
Imagem da derrubada do Muro de Berlim |
Perderam-se assim
o esforço e o sacrifício dos povos que, em meio a uma luta heroica, entregaram
as vidas de muitos de seus filhos para construir uma sociedade melhor. Apenas
na Segunda Guerra Mundial morreram cerca de 27 milhões de soviéticos enfrentando
o fascismo, que conseguiram derrotar a sangue e fogo, abrindo o caminho também
para a libertação dos povos do Leste Europeu e dando um impulso decisivo às
revoluções anticoloniais no Terceiro Mundo.
No pós-guerra o
imperialismo não disfrutou de um poder hegemônico indiscutível. A existência da
URSS e dos países socialistas europeus, unida à Revolução socialista na China e
depois em Cuba, mudou a correlação das forças políticas no mundo, obrigando a
uma afrouxada – não sem resistência – das forças mais reacionárias em todo o
planeta, processo que duraria até a década de 70 do século passado.
Contudo, a
ofensiva do capitalismo, tanto interna – para liquidar as conquistas dos
trabalhadores – como externa – para frear o avanço das políticas mais
revolucionárias e progressistas – começou a impor suas condições nos anos 80
sob os governos de Ronald Reagan nos EUA e Margaret Thatcher na Inglaterra. E
isso ocorre – não por casualidade – em meio a um enfraquecimento do campo
socialista europeu, tanto na política doméstica, como na arena internacional,
significando o antecedente imediato da crise terminal que se desata na segunda
metade dos anos 80.
Muito se escreveu
nos últimos anos sobre as causas da queda do socialismo na Europa, mas em
grande parte dos casos os autores só buscam confirmar – como fez o politólogo
norte-americano Francis Fukuyama – a prevalência do capitalismo como único
regime possível para a existência da humanidade, em cujo enfoque a experiência
socialista só é avaliada como um acidente em uma trajetória que termina com o
“fim da história” concebido como o fim das ideologias.
Na verdade, não se
esgotou a análise sobre a multiplicidade de causas da derrocada do socialismo
europeu, ainda que à luz do tempo transcorrido desde então seja sim possível
identificar um grupo de elementos que permitem ilustrar a complexidade da
construção socialista e o peso dos erros cometidos nesse processo, que
conduziram finalmente à sua frustração.
Este exercício
analítico não só tem utilidade desde o ponto de vista do conhecimento
histórico, como deve nos permitir assimilar as lições pertinentes àqueles que
persistem na construção do socialismo como a melhor alternativa para o
desenvolvimento de nossos povos. Não foi com prazer que nosso Comandante em
chefe nos advertia em 17 de novembro de 2005:
“Uma
conclusão que tirei ao final de muitos anos: entre os muitos erros que todos
nós cometemos, o mais importante foi acreditar que alguém entendia de
socialismo, ou que alguém entendia como construir o socialismo.”
E mais adiante
acrescentava:
“Este
país pode se autodestruir; esta Revolução pode se destruir, os que não podem
destruí-la atualmente são eles; nós sim, nós podemos destruí-la, e seria culpa
nossa.”
Nessa linha de
análise, já há algum tempo concedi à destacada jornalista Rosa Miriam Elizalde
uma entrevista de trabalho – inédita – onde abordei diversos aspectos deste
tema que hoje puderam servir de base para uma reflexão um pouco mais ampla
acerca das causas da queda da URSS e qual foi o papel da mídia ali. Igualmente
seria útil levar em conta o que foi recentemente publicado no site Catalejo da
revista Temas em torno das complexidades da construção do socialismo, intitulado
“Se o socialismo não é assimilado conscientemente, ele não decola”.
II
Não se pode
negligenciar que o socialismo tem sido até hoje uma sociedade em construção,
não totalmente consolidada em nenhuma parte, nem no caso do socialismo real,
nem no dos processos atualmente existentes, com os modelos de China, Vietnã,
Cuba e da RPD da Coreia.
Examinando as
experiências na Europa Oriental e sobretudo na antiga União Soviética, se
observa que os processos que derivaram na queda do socialismo tiveram muitos aspectos
em comum e – embora houvesse algumas particularidades – os erros também foram
os mesmos. Houve um ponto de partida similar, porque em todos os casos existiu
a expectativa de superar rapidamente as enormes inequidades, injustiças,
desigualdades que o capitalismo havia provocado ao longo de sua história.
Isso levou sempre
a tratar de queimar etapas, mas a experiência indica que uma transformação da
profundidade que requer o desenho de um modelo socialista, sobretudo em seu
elemento fundamental, que é a transformação das pessoas, da mente das pessoas,
o que em Cuba tem-se chamado mais recentemente de “mudança de mentalidade”, é
um processo muito complicado e de longo prazo. As pessoas não mudam de opinião,
não transformam suas ideias por que unicamente se produz uma mudança nas
relações de propriedade; é necessário uma mudança cultural muito profunda para
transitar do individualismo capitalista a uma mentalidade coletiva, à
solidariedade social e gestão econômica consensuada e em todo esse processo desempenha
um papel fundamental a política própria do socialismo.
Essa diferença –
ao menos conceitualmente – foi advertida desde muito cedo. Lenin afirmou que
havia uma grande diferença entre nacionalizar e socializar a produção.
Nacionalizar é um ato jurídico que se executa em um momento determinado e
provoca a mudança nas relações de propriedade a partir daí. Mas fazer
com que as pessoas se sintam donas e que pensem de maneira diferente de como
vinham atuando no capitalismo – que leva séculos de funcionamento em todo o
planeta – isso não se produz rapidamente. Provavelmente uma parte da
sociedade consegue isso, a vanguarda faz isso, mas a grande massa das pessoas
não muda assim. E isso foi comprovado por Lenin na prática desde os primeiros
anos de existência da URSS.
Então, no meio do
fragor revolucionário e após a guerra civil, chegou-se a conclusões que hoje
parecem extraordinariamente erradas. De fato, na altura de 1919 se propôs
eliminar o dinheiro porque a guerra praticamente havia desmonetizado a sociedade.
O dinheiro deixou de cumprir suas funções e começaram a comercializar em forma
de troca de uns bens por outros. Parecia que esse era o caminho, porque, por
outro lado, Lenin havia retomado de Marx e Engels a ideia de que no socialismo
não existiriam as relações mercantis, a partir do nível de desenvolvimento que
a sociedade podia alcançar.
No anti-Dühring está
apresentado o tema desta maneira. Certamente, Marx e Engels falavam de uma
transição em seu contexto, no mundo mais desenvolvido então sob o capitalismo.
Uma transição simultânea ao socialismo em tanto que possibilidade real se
apresentava então como uma meta alcançável e é isso o que dá lugar à
Internacional e aos movimentos que avançam em paralelo nos países europeus do
mundo desenvolvido após uma sociedade superior. Existia a ideia de que se
poderia, efetivamente, transitar simultaneamente ao socialismo em todo o
sistema, e que dado o alto nível de desenvolvimento alcançado se poderia
prescindir do mercado em um prazo relativamente breve.
Essa ideia é
retomada no contexto da guerra civil que estala em março de 1918 na Rússia e
aparecem notáveis expressões de idealismo como aquela que proclamava o
desaparecimento do dinheiro. Inclusive essa tese foi conceitualizada no
livro O ABC do comunismo, de Nikolay Bukharin e Evgeny
Preobrazhensky, publicado em 1920.
Quando termina a
guerra civil, no final de 1920, desaparecem essas condições extraordinárias de
sobrevivência, se desmobiliza uma enorme massa de camponeses do Exército
Vermelho e é preciso começar a produzir em condições normais. Lenin se dá conta
de que não é possível seguir utilizando os fatores de mobilização próprios de
situações extraordinárias e há que levar em conta as condições muito complexas
da reconstrução de um país devastado pela guerra na vida real.
A realidade
indicava claramente que com 80% de camponeses essa população não podia mudar
sua forma de agir de um dia para o outro, portanto havia que utilizar outros
mecanismos para que essas pessoas se sentissem estimuladas a produzir. Não
valia dizer apenas que as terras pertenciam a todos, e – em meio a um país
ameaçado pela fome – em março de 1921 houve que implantar a Nova Política
Econômica, conhecida como NEP.
A NEP, na época,
criou quase um cisma teórico, porque um ano antes se havia dito que
praticamente estavam criadas as condições para transitar a uma sociedade
superior; e logo, em março de 1921, há que voltar ao imposto em espécie, ao
pagamento em dinheiro, há que estimular mercantilmente o camponês e há que ir a
um processo de reconhecimento da realidade de que a Rússia – como país de
desenvolvimento muito baixo – não podia ignorar a necessidade de desenvolver a
produção mercantil para sobreviver. Para além de que essa experiência traria
outras consequências, Lenin sempre concebeu a NEP como um processo
temporário, de transição, até que se criassem as condições para ir à
cooperação, primeira fase de socialização da produção, entendendo como esse
processo de socialização a produção diretamente vinculada às necessidades da
sociedade.
As ideias dessa
necessidade de avançar nesse processo foram expostas por Lenin em um artigo
intitulado “Sobre a cooperação”, escrito em março de 1923, onde pede que se
leve em conta que a NEP não é o caminho definitivo e que é preciso ir estimulando
a união das forças produtivas para que a população entenda que trabalhando
juntos se tem mais produtividade mediante um processo gradual de cooperação.
Todo esse período
inicial de construção do socialismo na União Soviética se dá em circunstâncias
extraordinárias: a guerra civil o foi na ordem militar, na ordem da
sobrevivência; e também a NEP foi uma circunstância extraordinária.
A partir dos
resultados indubitavelmente positivos da NEP quando se recuperam em 1926 os
níveis produtivos de 1913, as coisas pareciam marchar a um novo ritmo e já se
começa a discutir como abordar a industrialização, ou seja, uma etapa superior
de crescimento para chegar ao desenvolvimento.
Lamentavelmente, a
extensão temporal das circunstâncias extraordinárias começou a gerar outro
fenômeno e isso ocorre em uma conjuntura na qual se incrementa a hostilidade
dos países capitalistas contra o socialismo nascente. Desse modo, entre
1920 e meados dos anos trinta, as agressões eram de todo tipo, provavelmente da
mesma intensidade das que Cuba padeceu nos primeiros anos do triunfo da
Revolução: agressões militares, sabotagens, espionagem, isolamento
internacional, fenômenos exacerbados também por erros que inevitavelmente eram
cometidos em um processo inédito na criação de uma sociedade de novo
tipo. E isso logicamente fez com que o que era uma tática para
enfrentar condições extraordinárias se convertesse pouco a pouco em algo
aparentemente permanente e que começava a se interpretar o extraordinário como
um processo normal de construção socialista. Daí que muitos anos depois o Che –
que compreendeu esses perigos – advertia que à NEP não se podia dar caráter de
regularidade universal para a construção do socialismo, mas que obedecia às
circunstâncias concretas que a URSS enfrentou naqueles anos.
Pode se dizer que
a partir da morte de Lenin em janeiro de 1924 começaram a se desenvolver
medidas extraordinárias em um cenário que – em muitos aspectos – já não
correspondia com as necessidades do momento. Se começam a aplicar normas que –
à luz do que ocorreu posteriormente – estão na base do fracasso do socialismo
na União Soviética, por exemplo, a cooperativização forçada, que alcança seu
clímax entre 1929 e 1934. Daquele chamado de Lenin em 1923 pela cooperação
mediante a persuasão, o convencimento, se passa a um processo mediante o qual
simplesmente a cooperação é imposta. Foi-se à repressão, supostamente ante
circunstâncias extraordinárias, mas já não eram as da guerra ou as da NEP, mas
se começa a estender a noção do extraordinário no tempo.
Por outro lado,
Lenin, enfermo e incapacitado de exercer a direção do país em circunstâncias
muito complexas, foi consciente dos perigos que espreitavam a Revolução de
Outubro. Em seu testamento político – documento conhecido como a “Carta ao
Congresso” – advertia sobre o perigo da divisão do partido como resultado das
divergências entre Josef Stalin – sobre o qual recomendara sua saída do cargo
que ocupava por seus defeitos de caráter e métodos arbitrários de direção – e
Leon Trotski. Esse perigo se materializaria rapidamente depois de sua morte.
Começa assim a se
transitar um caminho que conduziria à desnaturalização do consenso político
indispensável no socialismo. Lenin já que havia visto forçado a limitar a
participação democrática em 1921 quando da insurreição de Kronstadt, etapa na
qual se eliminam as facções dentro do Partido e a possibilidade de fazer
oposição a linhas de direção dentro da organização, mas tudo isso ocorre em
meio ao perigo de um racha dentro do Partido que foi preciso frear.
No entanto, já em
1923 as divergências internas sobre como avançar para a industrialização levam
a que as posições dos trotskistas fossem reprimidas em meio a um debate que
podia ser considerado legítimo. Posteriormente, na polêmica entre Bukharin e
Preobrazhensky de 1926 sobre como conduzir a industrialização, também ocorre
esse fenômeno e o grande debate termina abruptamente em 1927 e desaparecem da
cena política os dois oponentes. Preobrazhensky passa a ser uma figura suspensa
e Bukharin é separado dos cargos que tem em 1929 e terminaria como diretor do
jornal Pravda, uma posição inferior.
Essas graves
violações da democracia socialista alcançariam seu ponto crítico nos fenômenos
de repressão que ocorrem a partir de 1936. Os quatro processos que houve naqueles
anos conduziram praticamente à eliminação física da direção do Exército
Vermelho e da direção tradicional do Partido Bolchevique sob acusações de
traição que nunca puderam ser realmente demonstrados.
Esses fatos
causariam um dano enorme às ideias do socialismo em todo o mundo e são também
um outro antecedente da derrubada do socialismo na Europa.
Não obstante, no
imediato a causa do socialismo resistiu e em seu nome os povos da URSS venceram
na II Guerra Mundial, mesmo que a custa de enormes sacrifícios e se conseguiu
reconstruir o país em muito poucos anos.
No entanto, depois
do pós-guerra os problemas econômicos começaram a demandar soluções efetivas a
contradições que até esse momento não haviam chegado a um ponto crítico.
Um tema não
resolvido na prática desde que se iniciou no ano de 1917 a construção efetiva
do socialismo na Rússia foi o das relações marcado-planificação, ou poderíamos
dizer livre concorrência das forças de desenvolvimento na sociedade e
desenvolvimento controlado, previsto, planificado; primeiro porque houve uma
grande incompreensão durante muitos anos sobre a essência das relações
monetário-mercantis.
Assim como não se
podia mudar a mentalidade de quem havia vivido séculos sob a influência do
egoísmo capitalista, na economia as estruturas não mudam de um dia para outro e
para alcançar essa socialização efetiva faz falta um nível de desenvolvimento
elevado. Esse é um processo complicado, de longo prazo, que requer um nível de
crescimento das forças produtivas que não se conseguiu até hoje.
Na mesma medida em
que não existe socialização suficiente, ou o que dá na mesma, a não
correspondência entre o que toda a sociedade faz e o que requer, que espaço
resta para concordar esses interesses que às vezes são contrapostos? O mercado.
O mercado existe assim objetivamente, dado um determinado nível de
desenvolvimento da sociedade, que não se transforma de imediato pelo fato de
nacionalizar os meios de produção.
A explicação do
porquê subsistia o mercado no socialismo não foi um processo simples e ainda
hoje subsistem muitas interpretações erradas a esse respeito.
Uma das primeiras
explicações foi dada por Preobrazhensky nos anos vinte, pelo menos é um dos
autores que falou mais profundamente sobre o tema. Segundo ele, existiam
relações de mercado porque existiam distintas formas de propriedade: estatal,
privada, cooperativa e essas relações de propriedade não têm um ponto de
contato comum, por isso é necessário o mercado para uni-las com sua
interrelação. Argumento relativamente razoável, mas deixava de fora um grande
problema: por que o mercado subsiste no seio da propriedade estatal? Ou seja,
por que é necessário o dinheiro, o cálculo econômico, a contabilidade, os
créditos sob uma mesma forma de propriedade social.
No funcionamento
da economia estatal isso não se conseguia compreender, porque durante muitos
anos nas análises não se ia à raiz do problema, que consistia em que o mercado
existia ainda antes da propriedade privada, ou seja, que podia existir o
mercado e não haver propriedade privada propriamente dita: tal é o caso da
produção mercantil simples, onde o proprietário é o mesmo produtor.
No transcorrer dos
anos se acrescentou maior complexidade à análise, fruto das tentativas de
justificar – sem uma base logicamente fundamentada – a presença das relações de
mercado no seio da propriedade estatal.
Assim, em 1935, se
institucionaliza o cálculo econômico como uma fórmula para dar raciocínio à
conduta de direção econômica da sociedade, mas se cometeu um grande erro já que
se disse que o cálculo econômico era formal e que nada disso tinha conteúdo.
Uma categoria não existe sem conteúdo e o cálculo econômico tem uma base que é
a existência do mercado a partir de determinadas condições, mas isso nunca foi
então explicado corretamente.
Já em 1951 – ante
os problemas que a URSS confrontava para avançar no crescimento extensivo da
economia – se abriu novamente a discussão. Stalin – em seu artigo “Os problemas
econômicos do socialismo na URSS” – volta a sugerir que a presença das relações
monetário-mercantis se devia a distintas formas de propriedade, tese muito
similar à apresentada por Preobrazhensky muitos anos antes.
Essa explicação
permaneceu sem uma solução científica, até os anos sessenta. É nos debates em
torno da reforma econômica na URSS, que duraram de 1958 a 1965, que se começa a
se aprofundar na questão de como é possível que o mercado exista se a
propriedade privada desapareceu como algo preponderante.
Surgiu então uma
explicação – baseada em uma releitura do tomo I de O Capital –
que os produtores isolados entre si não encontram formas de conectar seus
interesses de modo comum, diríamos, socializando-os. Tem que haver um mecanismo
de vínculo entre eles, e o mercado fornece esse mecanismo. Portanto, é o
isolamento econômico relativo ainda no seio da propriedade social – que
persiste unido a um baixo nível de desenvolvimento relativo na construção do
socialismo – o que provoca a existência ou a permanência de relações mercantis
no socialismo ainda que não exista propriedade privada, mas essa explicação
demorou sessenta anos para chegar, o que provocou um dano terrível à teoria
econômica e a todo o funcionamento do socialismo.
III
Para compreender
as causas que levaram ao desaparecimento da União Soviética em 1991 é
imprescindível remontar à história e, nesse sentido, a etapa inicial do chamado
pós-stalinismo é de singular importância.
Com a morte de J.
Stalin, em março de 1953, culminou uma etapa muito complexa da história
soviética onde as circunstâncias extraordinárias que estiveram presentes na
guerra civil, na implementação da NEP, ou durante a coletivização forçada e a
primeira etapa da industrialização dos anos 30 se converteram – aparentemente –
em fases normais da construção socialista marcadas pela ausência de uma
democracia socialista real e violações à legalidade que se manteriam por muitos
anos, fenômenos que se replicariam também nas democracias populares europeias
que emergiram depois da Segunda Guerra Mundial.
Acerca da
controversa personalidade de Stalin, nosso Comandante em Chefe expressaria:
“Sobre
ele recai a responsabilidade, ao meu ver, de que esse país tivesse sido
invadido em 1941 pela poderosa maquinaria bélica de Hitler, sem que as forças
soviéticas tivessem recebido a ordem de alarme de combate. Stalin cometeu,
também, graves erros. É conhecido seu abuso do poder e outras arbitrariedades.
Mas também teve méritos. A industrialização da URSS e a passagem e
desenvolvimento da indústria militar na Sibéria foram fatores decisivos naquela
luta do mundo contra o nazismo”.
Eu, quando o
analiso, avalio seus méritos e também seus grandes erros, e um deles foi quando
expurgou o Exército Vermelho em virtude de uma intriga dos nazistas, o que
enfraqueceu militarmente a URSS, nas vésperas da investida fascista.” [1]
Nesse sentido, se
pode afirmar que a assinalada ausência de uma autêntica democracia interna nos
processos de gestão social, o culto à personalidade, os abusos de poder e a
repressão injustificada que estiveram presentes durante boa parte do mandato de
Stalin à frente do governo soviético foram, sem dúvida, fatores que incidiram
negativamente na causa do socialismo dentro e fora da URSS e constituíram
elementos que deixaram uma marca muito negativa na memória histórica desse
povo, alimentando tendências negativas no comportamento dos soviéticos que
contribuíram também para a queda da URSS ocorrida anos depois.
Após diversos
ajustes e demissões na equipe de direção que substituiu Stalin em 1953, ela
ficou basicamente integrada por Georgi Malenkov, que ocuparia o cargo de
presidente do Conselho de Ministros entre março de 1953 e fevereiro de 1955 e
Nikita Krushchov, que ocuparia o cargo de primeiro secratário do PCUS de
setembro de 1953 a outubro de 1964 e de presidente do Conselho de Ministros de
março de 1958 a outubro de 1964. Em geral, houve um processo de mudanças – não
isento de luta entre distintas facções – entre 1953 e 1958 até que se renovou completamente
o grupo de colaboradores mais próximos a Stalin, os quais foram enviados a
cumprir outras tarefas, mas nenhum foi julgado ou reprimido [2], vivendo uma
existência normal até o final de suas vidas.
Os novos
governantes soviéticos se enfrentaram então com uma série de obstáculos no
desenvolvimento econômico e social que punham de manifesto a necessidade de
profundas transformações na política econômica que se vinha aplicando, levando
em conta que o país não podia continuar crescendo extensivamente considerando
os limites demográficos impostos pela guerra, pelo que era necessário
incrementar a produtividade do trabalho, inclusive para brindar maior atenção
ao consumo e tudo isso em meio a um confronto crescente com o Ocidente no
âmbito político e militar.
No terreno
econômico, um dos problemas mais importantes dessa etapa se encontrava na
agricultura, que arrastava dificuldades não resolvidas desde os anos da
coletivização forçada, ao que se acrescentavam os efeitos do conflito bélico.
De tal modo, em 1952 se alcançava uma colheita de cereais de 92,2 milhões de
toneladas, o que representava entretanto 3,6% abaixo de 1940. Sobre isso
observaria o historiador Alec Nove:
“A situação da agricultura nos últimos anos de
Stalin esteve, pois, exacerbada pelas intervenções equivocadas da autoridade,
pela excessiva centralização das decisões, pelos preços extremamente baixos,
pelo insuficiente investimento e pela falta de incentivos adequados.” [3]
Krushchov tentaria
solucionar esses problemas com diversas medidas – incluindo um tratamento mais
estimulante ao setor privado e cooperativo – mas sobretudo estendendo as áreas
agrícolas exportáveis na chamada “Campanha das Terras Virgens” que levou a
cultivar 46 milhões de hectares adicionais por mais de 300 mil jovens que se
mobilizaram entre 1954 e 1960 em territórios da Sibéria e do Cazaquistão e que
– embora não tenha sido a solução permanente para todos os problemas – produziu
um aumento notável da produção agrícola do país.
Igualmente começou
a ser redesenhada a política de industrialização, dirigindo-a com uma maior
prioridade para a produção de artigos de consumo frente ao até então
crescimento prioritário da indústria básica.
Nesse contexto e
apesar dos ajustes na política monetária que houve que realizar a partir das
distorções provocadas pela guerra – incluindo a reforma monetária de 1947, que
introduziu um câmbio de moeda com desvalorização – estima-se que os salários
reais dos trabalhadores mostraram um notável crescimento entre 1947 e 1952,
melhorando seu nível de vida. Essa tendência à melhoria nos níveis de vida da
população continuaria durante os anos 60, ainda quando nem todas as medidas que
se introduziram produziram os resultados esperados.
Precisamente no
esforço para melhorar as condições de vida do povo, Krushchov
fomentaria a ideia da coexistência pacífica e – nesse contexto –
proporia superar em diferentes aspectos um grupo de indicadores da economia
norte-americana, objetivo que não contava com as condições indispensáveis para
ser alcançado em tão curto prazo. Não obstante, a taxa de crescimento da
produção industrial foi notavelmente elevada na economia soviética nesses anos.
Desse modo, entre 1951 e 1955 a indústria cresceu 13,1% na média anual
contra 6,2% nos EUA; enquanto que entre 1956 e 1960 o crescimento foi 10,4% em
comparação com 2,4% nos EUA. No entanto, o Produto Nacional Bruto da URSS em
1955 representava apenas 40% do dos EUA, proporção que chegaria a 50% dez anos
mais tarde, o que denotava a magnitude do enorme esforço produtivo a se
desenvolver para igualar ou superar a América do Norte.
Por outro lado,
não é possível ignorar que a Guerra Fria aumentaria as tensões entre a URSS e
seus antigos aliados da Segunda Guerra Mundial.
De fato, o Plano
Marshall, implementado pelos Estados Unidos, terminou sendo um programa de
ajuda à Europa ocidental para enfrentar o comunismo. A contrapartida soviética
apareceu em janeiro de 1949 quando se cria o CAME, ao tempo que surge a OTAN em
abril de 1949 e o Pacto de Varsóvia em 1955 como estruturas militares de
confrontação.
Consequentemente,
a URSS – que havia se convertido em potência nuclear – elevaria notavelmente
seus gastos militares já nesses anos, duplicando o mesmo entre 1948 e 1952.
Conforme estimados, esses gastos representavam 17% do PIB em 1950 e em 1960
chegavam a 11,1%, proporções muito superiores às dessas despesas na economia
norte-americana, o que supunha um obstáculo maior para o crescimento da
economia nacional.
Não obstante, o rápido
desenvolvimento defensivo do país permitiu avançar na equiparação do potencial
militar com o Ocidente. Desse modo, especificamente na esfera de foguetes, se
pôs de manifesto o alcançado quando em 1957 se lançou o primeiro satélite
artificial da Terra e quatro anos mais tarde se enviou o primeiro homem ao
espaço, conquistas indiscutíveis do complexo científico-militar soviético
naqueles anos.
Outra das
transformações de maior importância desse período se dirigiria a modificar a
situação política interna vigente até 1953.
Nesse sentido, já
desde 1955 se produziu uma diminuição das pessoas detidas pelos delitos
considerados como políticos e muitas foram reabilitadas ao se comprovar que
haviam sido condenadas injustamente.
Um momento chave
nessas transformações foi constituído pelo XX Congresso do PCUS celebrado em
fevereiro de 1956 e no qual Nikita Krushchov apresentou um relatório a portas
fechadas denunciando as violações à legalidade incorridas pelo governo de
Stalin desde os anos 30. Esse processo continuaria com as análises do XXII
Congresso do PCUS celebrado em 1961, onde se produziu um enfrentamento com o
Partido Comunista da China por discrepâncias sobre a forma em que se criticou o
stalinismo, o que conduziu a um enfrentamento entre os dois maiores partidos
comunistas do mundo que duraria até 1989. Essa discrepância provocou uma
divisão dos partidos comunistas de muitos países, fenômeno de consequências
muito negativas para o movimento revolucionário da época.
O processo de
superação dos erros políticos cometidos apresentou desafios importantes e se
pode afirmar que Krushchov assumiu uma grande responsabilidade, ao realizar a
análise crítica de uma etapa fundamental na história do país. A partir dessa
análise, embora as medidas adotadas fossem positivas, as mesmas resultaram
incompletas, já que não se aprofundou nas causas últimas desses fenômenos, não
houve um enfrentamento consequente da gestão burocrática predominante na
sociedade soviética e tampouco se criaram os mecanismos para assegurar uma participação
efetiva da população no governo dessa sociedade.
Ainda, e apesar
das limitações de análise, foram eliminadas práticas repressivas e aberto um
espaço maior à discussão desses problemas no seio da sociedade soviética, que –
até certo ponto – conseguiu se reencontrar com sua própria história.
Assim, durante
esses anos se produziram manifestações artísticas de alto valor que refletiram
criticamente esses complexos processos, tais como os filmes Chistoye
neboou Quando voam as cegonhas e também se publicaram
livros de testemunho como Um dia com Ivan Denisovich, do escritor
Alexander Solzhenitsyn [4], processos que contrastaram com a visão restritiva
da arte que predominou na etapa anterior.
Um fator
determinante no trabalho dos dirigentes soviéticos naqueles anos foi o esforço
para redesenhar a política e o sistema de direção da economia, com vistas a
garantir uma gestão econômica mais eficiente. Nesse sentido, as decisões
adotadas por Krushchov em 1957 trataram se avançar a uma planificação
descentralizada, para a qual se aboliu a estrutura de direção centralizada de
mais de 30 ministérios, os que se constituíram por cerca de 100 conselhos
econômicos locais, conhecidos como sovnarkhos, que se reagruparam
em 17 regiões em 1961. Essa mudança – sem que previamente se criassem condições
para uma transformação de semelhante complexidade – não resolveu tampouco os
problemas da direção econômica do país.
Por outro lado, de
1958 até 1965 foram realizados debates sistemáticos dirigidos a superar os
problemas do modelo centralizado de gestão, transitando para uma
descentralização das decisões.
Realmente a
história demonstrou que as decisões centralizadas desempenhavam um papel
fundamental quando na economia deviam se enfrentar um conjunto limitado de
medidas com vistas a alcançar mudanças estruturais básicos. Em efeito, na
evolução econômica da URSS essas decisões permitiram assegurar essas
transformações alcançando – por sua vez – altas taxas de crescimento.
No entanto, na
medida em que os objetivos de desenvolvimento social começaram a se
diversificar, as decisões absolutamente centralizadas deixaram de ser efetivas
– embora a eliminação dos seus defeitos mais evidentes tenha permitido avançar
rapidamente a curto prazo, tal como ocorreu com as transformações que se
implementaram na URSS entre 1953 e 1956 em relação à agricultura e à produção
de artigos de consumo.
Chegado um ponto
entre o final dos anos 50 e a primeira metade dos anos 60, se pôs de manifesto
uma clara desaceleração nos ritmos de crescimento acompanhada do menor aumento
da produtividade do trabalho, o que evidenciou a necessidade urgente de uma
reforma econômica integral.
O debate se
centrou então em quais decisões deviam continuar centralizadas –
fundamentalmente as que se referem ao balanço entre os grandes agregados
macroeconômicos – e quais deviam ser deixadas para serem adotadas a nível
empresarial, utilizando para isso os instrumentos do mercado. Em 1962 esse
debate alcançou um ponto de maior intensidade a partir das ideias do economista
soviético Evsei Liberman [5] que – essencialmente – propôs concentrar os
indicadores das empresas nos ganhos e controlar indiretamente sua gestão
mediante mecanismos de mercado.
Como se comentou
na primeira parte deste trabalho, emergiu a discussão de como combinar plano e
mercado em uma economia socialista, mas sem que estivesse totalmente
esclarecido conceitualmente o tema das relações monetário-mercantis no
socialismo. Nesse sentido, as opiniões se dividiram: um grupo de países decidiu
utilizar os mecanismos de mercado mantendo uma planificação forte (foi o caso
da URSS, RDA, Romênia e em menor grau a Polônia), enquanto outros colocaram o
mercado como regulador principal da economia (foi o caso de Hungria,
Tchecoslováquia e Bulgária) dando lugar aos conceitos que formariam as teses do
chamado socialismo de mercado.
Por outro lado,
surgiram ideias muito interessantes, algumas das quais não foram levadas em
consideração adequadamente. Esse foi o caso dos modelos econômico-matemáticos
que se elaboraram em meio a esse debate por destacados acadêmicos como Leonid
Kantorovich – um dos criadores da programação linear –, V. Nemchinov e Victor
Novozhilov. Tal foi o caso do modelo de gastos de relação inversa elaborado
pelo acadêmico soviético Novozhilov que permitia manter um marco de decisões
centralizadas e – ao mesmo tempo – possibilitava às empresas achar a variante
mais adequada do plano central mediante a chamada centralização indireta [6].
As discussões foram
muito intensas e evidentemente – se bem a aplicação das reformas tenha levado a
melhores ritmos de crescimento entre 1966 e 1970 na URSS e a maioria dos países
socialistas europeus – essa tendência não se sustentou ao longo do tempo.
Em outubro de
1964, Nikita Krushchov foi substituído em seu cargo a partir de erros em que
tiveram muito peso a não solução efetiva dos problemas da agricultura e a queda
nos ritmos de crescimento da economia soviética naqueles anos.
V
A saída de Nikita
Khrushchov do governo soviético em outubro de 1964 marcou o fim do
enfrentamento oficial com o fenômeno do stalinismo e também o final de uma
conduta que sem dúvida teve méritos, mas do mesmo modo mereceu a crítica de
seus contemporâneos pela falta de sistematicidade nas transformações econômicas
e políticas que tratou de introduzir; os métodos de direção marcados por uma
alta centralização de funções em sua pessoa; a oscilante política agrária, onde
os êxitos foram apenas temporários; a insensata competição para igualar a economia
dos Estados Unidos em um curto prazo; e os descalabros em política
internacional que conduziram à ruptura com a China, ao levantamento do Muro de
Berlim, em 1961, e à Crise dos Mísseis, em 1962.
A avaliação
histórica da figura de Khrushchov tem sido controversa, pois alguns autores
como Roger Keeran e Thomas Kenny – autores do livro O socialismo traído,
que foi publicado em Cuba –, avaliam essa personalidade como continuadora de
tendências social-democratas no PCUS, estabelecendo uma avaliação claramente
tendenciosa e enviesada de seu desempenho. Por outro lado, Hans Modrow – último
secratário-geral do Partido Socialista Unificado da RDA, em seu livro A
perestroika: impressões e confissões, aponta:
“O fato de que
Khrushchov tenha tido o valor de apontar com toda clareza os delitos cometidos
em nome de Stalin, e por conseguinte em nome do socialismo, lhe assegura um
importante posto. Somente dogmáticos incorrigíveis defendem o critério de que a
decadência do socialismo começou com ele.”
A equipe de
direção que o sucedeu se iniciou com uma divisão de poderes entre Leonid
Brezhnev como secretário-geral do PCUS e máximo dirigente do país, Alexei
Kosyguin como presidente do Conselho de Ministros e Anastas Mikoyan como
presidente do Presidium do Soviete Supremo da URSS, o qual foi substituído por
Nikolay Podgorny em 1965. A partir de 1977 Brezhnev ocuparia também a
presidência do país.
Brezhnev, assim
como Khrushchov, havia nascido na Ucrânia e ambos tiveram muitos pontos de
contato em suas carreiras políticas a ponto de que Khrushchov o considerasse
como segundo no comando do Partido na altura de 1964. No entanto,
diferentemente de Khrushchov, Brezhnev sempre foi muito conservador em sua
atuação e decisões, fator que incidiria em seu exercício como máximo dirigente
soviético durante 18 anos.
De tal modo, a
equipe de direção do PCUS que se instala em 1964 tratou de buscar uma
estabilidade que contrastava com as reformas que havia impulsionado o sucessor
de Stalin – muitas delas controversas – durante 11 anos.
Contudo, a
situação nesses momentos indicava claramente que eram indispensáveis mudanças
no sistema de direção da economia e nessa circunstância os debates que haviam
começado em 1958 apontavam também nessa direção, levando em conta que os
resultados econômicos mostravam uma queda no ritmo de crescimento da produção
industrial, que alcançou 8,6% entre 1961 e 1965 de 10,4% entre 1956 e 1960, ao
que se acrescentavam desastrosos resultados das colheitas agrícolas na primeira
metade dos anos 60.
Essa tarefa foi
assumida por Alexei Kosyguin, cuja trajetória era a de um magnífico dirigente
empresarial que havia transitado por cargos de alta responsabilidade estatal
desde antes da Segunda Guerra Mundial até o governo de Khrushchov. Em tal sentido,
ainda hoje se reconhecem seus méritos como membro do Conselho de Defesa da URSS
nos anos do conflito bélico ao organizar a mudança exitosa para o leste das
indústrias que, se não fosse isso, ficariam na zona ocupada pela Alemanha.
Após intensos debates,
em setembro de 1965, foi aprovada a reforma econômica soviética que tratava de
combinar uma maior presença de mecanismos de mercado com uma planificação
centralizada, onde esta última mantinha a preponderância.
Novamente desde
sua aprovação a adequada combinação entre a gestão macroeconômica e a direção
empresarial, traduzida na relação entre a planificação centralizada e a
descentralização de um grupo de decisões, não encontrou um canal adequado ao
abordar conceitualmente a vinculação entre plano e mercado. Por outro lado,
eram evidentes as deficiências de uma economia onde se planificava centralmente
até o detalhe todas as operações da empresa. Mas – por outro lado – pretender
que o mercado regulasse a atuação da empresa estatal, tomando como princípio
orientador básico a rentabilidade, não assegurava que se cumprissem os
objetivos a alcançar em uma sociedade socialista.
Se acordou então
incluir algumas medidas próprias de uma economia de mercado a nível empresarial
com o objetivo de flexibilizar e descentralizar sua gestão – limitando o
alcance das transformações propostas por Evsei Liberman em 1962 –,
acrescentando-lhe incentivos para administradores e trabalhadores, mas mantendo
praticamente sem mudanças o sistema central de planificação.
Nesse último
aspecto não se trabalhou com igual intensidade e uma planificação mais flexível
na microeconomia, especialmente para a formação dos preços a partir do uso de
modelos econômico-matemáticos foi totalmente subestimada. Nos meios acadêmicos
se estendeu o critério de que a única solução aos problemas transitava por uma
ampliação do mercado ao qual teria que se adaptar à planificação, critério
tecnocrático de fatais consequências que se abriria caminho definitivamente na
crise do final dos anos 80.
Logicamente, as
contradições não demoraram a aparecer levando em conta – também – de que a
visão burocrática dos fenômenos econômicos estava presente tanto a nível dos
ministérios como das empresas e isso se apreciou claramente pela ausência total
de modificações no referido a conquistar uma maior participação dos
trabalhadores no processo de tomada de decisões, elemento central para o êxito
de qualquer política econômica socialista.
Por outro lado, o
esforço de Kosyguin por impulsionar as mudanças encontrou resistência nos
níveis superiores de direção e, embora não se possa dizer que Brezhnev se opôs
às reformas, tampouco as apoiou visivelmente.
Não obstante, os
resultados econômicos – ainda quando não alcançaram os objetivos previstos –
tiveram um impacto positivo por quanto cresceu a renda nacional na economia
soviética de 1966 a 1970 em 7,8% e manteve uma média anual de crescimento de
5,7% entre 1971 e 1975, cifras que mostraram um desempenho inclusive superior
ao crescimento dos Estados Unidos naqueles anos.
A situação começou
a mostrar maiores dificuldades quando de 1976 a 1980 a renda cresceu 4,3%, o
que motivou novamente a reversão de diferentes aspectos do sistema de direção a
uma maior centralização em 1979 e entrou definitivamente em um processo de
estancamento de 1981 a 1985, quando só aumentou 3,6%. Além dessas cifras, os
fatores intensivos no crescimento da economia – que medem a qualidade desse
crescimento – baixaram de 28,4% dos aumentos em 1966-70 a 21,3% em 1976-80.
Nesse último
aspecto destaca-se que, sendo a URSS um país com alto potencial científico – o
país chegou a concentrar 25% dos cientistas de todo o mundo –, foi difícil o
desenvolvimento da inovação e a introdução dos crescimentos científicos
técnicos na economia, salvo no complexo militar-industrial.
Adicionalmente,
não deve ser deixado de lado que tudo isso ocorre em meio a um processo de
crescimento da economia informal, também chamada segundo economia cujo peso –
segundo estimados pelos próprios soviéticos – passou de um nível equivalente a 3,4%
do PIB em 1960 para 20% em 1988.
Por outro lado, as
transformações políticas internas e externas entre 1965 e 1985 tiveram também
um muitos aspectos um impacto desfavorável no desempenho econômico, político e
social da URSS.
Em primeiro lugar,
a limitada abertura à discussão dos problemas da sociedade soviética que se
expressou sobretudo na literatura e no cinema, assim como nos debates
acadêmicos na época de Khrushchov, praticamente acabou a partir de 1965. Nesse
sentido, tudo indica que primou o critério de que o fundamental era a elevação
do nível de vida material dos cidadãos soviéticos – fenômeno que efetivamente
ocorre entre 1965 e 1975 –, mas não foram atendidos os aspectos que redundariam
em uma existência espiritualmente mais plena do homem e no desenvolvimento de
uma cultura socialista no mesmo.
Como foi apontado
pelos analistas Ariel Dacal e Francisco Brown:
“Tudo isso trouxe
como resultado uma lacuna na opinião pública que foi relativamente fácil de
ocupar com a propaganda capitalista, que incentivava o descrédito do
socialismo, baseada fundamentalmente na incitação ao consumo e à liberdade, o
que logicamente surtia efeito em uma população necessitada de consumo e
liberdades básicas.”
Essa situação se
viu – ademais – agravada pela ausência de vínculos entre a população e a
chamada nomenklatura da direção política do país que envelheceu em seus cargos,
gozando de privilégios que mancharam a exemplaridade social que deviam ter.
Igualmente o
manejo da política exterior soviética durante esses anos que impunha uma linha
de ação incondicional a Moscou lavou à invasão da Tchecoslováquia em 1968 para
frear as posições social-democratas que se observavam em seus dirigentes, mas
em uma ação violatória da soberania nacional desse estado socialista e que
daria lugar à chamada Doutrina Brezhnev da soberania limitada na Europa
Oriental. Essa decisão que se argumentou como inevitável para evitar a
transição ao capitalismo em um país socialista teve um alto custo político que
– em última análise – não propiciou a retificação necessária do conservadorismo
na direção do PCCh nem conduziu à análise das verdadeiras causas desses
acontecimentos.
Uma intervenção
similar se produziria com a invasão do Afeganistão em 1979 para apoiar uma das
facções em conflito no governo desse país, que se estendeu durante dez anos,
onde as tropas soviéticas não conseguiram dominar a situação e que teve
nefastas repercussões para o prestígio da URSS no Terceiro Mundo e em
particular para o Movimento dos Não-alinhados.
Finalmente, o
poderio militar da URSS aumentou de forma notável durante esses anos no
contexto de uma política de coexistência pacífica como premissa para preservar
a paz entre as duas superpotências, alcançando a paridade estratégica entre
elas a custa de um enorme esforço, o que sem dúvida foi uma conquista
significativa da parte soviética.
Entretanto, a
extrapolação dessa coexistência pacífica às relações com os países que lutavam
contra a dominação colonial e neocolonial colocou a direção soviética em uma
posição de incompreensão da luta anti-imperialista e anticolonial no Terceiro
Mundo. Não obstante isso, e em honra à verdade, deve ser dito que muitos países
receberiam para sua luta o apoio militar da pátria de Lenin nos anos 70 e 80.
Quando ocorre a morte
de Leonid Brezhnev em 1982 eram ainda mais evidentes a necessidade de reformas
econômicas e políticas para sair do estancamento em que se encontrava o país.
Chega então ao
poder como secratário-geral do PCUS Yuri Andropov, considerado um homem de firmes
convicções e experiência, que havia dirigido os serviços de segurança (KGB)
desde 1967. Sua trajetória abarcava desde a luta guerrilheira contra o exército
alemão na Segunda Guerra Mundial, passando por diferentes cargos no aparato do
PCUS, incluindo seu trabalho como embaixador na Hungria nos anos 50, chefe do
departamento do Comitê Central que atendia as relações com outros países
comunistas e membro do Burô Político desde 1973.
Era considerado um
dirigente culto e consciente da necessidade de mudanças na sociedade soviética,
embora não tenha proposto um programa amplo de reformas, mas implementou – a
partir de julho de 1983 – uma série de medidas que retomavam aspectos da
reforma econômica de 1965 ante o fracasso das decisões adotadas em 1979, as quais
foram denominadas de “experimento econômico”.
Andropov enfrentou
também a indisciplina laboral, o alcoolismo e a corrupção. Especialmente neste
último aspecto se centrou nos cargos de direção mais elevados na sociedade e em
15 meses substituiu 18 ministros e numerosos quadros na nomenklatura do PCUS,
ao mesmo tempo em que introduzia pessoas mais jovens nos postos de direção mais
importantes, incluindo entre eles Mikhail Gorbatchov.
Apesar de seus
esforços – que enfrentaram também forte oposição da burocracia partidária – sua
maior limitação foi seu próprio estado de saúde, já que no momento em que foi
nomeado máximo dirigente da sociedade soviética com 67 anos sofria de uma
insuficiência renal, o que o obrigava a se submeter a diálises de forma
regular, situação que foi reduzindo sua capacidade de trabalho até que faleceu
em fevereiro de 1984.
A implementação de
uma chamada política de estabilidade nos quadros durante a administração de
Brezhnev levou a um imobilismo e à não promoção de dirigentes mais jovens,
fenômeno que entrou em crise com a morte de Andropov. Daí que se elegesse um
candidato de transição – supostamente para ganhar tempo – que acabou sendo
Konstantin Chernenko, de 73 anos, quem se encontrava também gravemente doente.
O novo
secretário-geral havia desenvolvido sua carreira política essencialmente no
aparato do PCUS, onde foi chefe do Departamento Geral do Comitê Central de 1965
– ocupando-se principalmente como chefe de despacho do secretariado geral –,
sendo promovido ulteriormente ao secretariado em 1976 e finalmente ao burô
político em 1978.
Se reconheceu que
Chernenko não era uma pessoa com a preparação necessária para o cargo que
ocuparia, levando em conta a complexidade da situação interna prevalecente na
URSS em 1984 e a situação internacional, marcada por tensões crescentes nas
relações com os Estados Unidos.
Terminava assim
uma etapa onde na altura de 1980 só 7% dos membros permanentes do Burô Político
e 17% dos ministros tinham 60 anos ou menos.
Konstantin
Chernenko faleceu em março de 1985, 13 meses depois de ter assumido o cargo.
Nesse ano foi eleito secretário-geral do PCUS Mikhail Gorbatchov, que
permaneceria no mesmo posto até 1991, quando desaparece a União Soviética.
VI
Ao morrer
[Konstantin Chernenko], em março de 1985, foi promovido como secretário-geral
do PCUS Mikhail Gorbatchov. Com 54 anos de idade, era o secretário-geral mais
jovem eleito após a Segunda Guerra Mundial e também o primeiro que não havia
participado dela.
Gorbatchov havia
se graduado como jurista e desenvolvido sua carreira trabalhando em diferentes
estruturas do Partido, onde ocupou cargos de direção na região russa de
Stavropol desde 1962 e como secretário-geral entre 1970 e 1978. Ingressou no
Comitê Central do PCUS em 1971 e em 1978 foi promovido a membro do Secretariado
do Comitê Central a cargo da agricultura – anteriormente havia obtido o título
de agrônomo em estudos por correspondência – sendo promovido a membro do Burô
Político em 1980.
Já sob a direção
de Andropov, Gorbatchov havia vindo se destacando como um quadro em ascensão.
Tratava-se sem dúvidas de uma pessoa inteligente, com capacidade de direção e
facilidade de comunicação, a qual contrastava com a personalidade de seus
antecessores.
Não obstante, sua
experiência prática na direção do Estado e sua formação em temas de política
econômica e relações internacionais resultariam muito limitadas para o cargo
que ocuparia em 1985.
O panorama que o
novo dirigente enfrentaria era complexo. A URSS sofria um significativo
desgaste sociopolítico como resultado do estancamento econômico, a deterioração
de indicadores sociais básicos e também como consequência das sequelas – apenas
parcialmente superadas – de um sistema político que havia falhado em dar uma
resposta estável para superar adequadamente o capitalismo. Esse último aspecto
era evidente pela burocratização dos processos de direção, a falta de renovação
de dirigentes e a consequente carência de mobilidade social, assim como a falta
de uma cultura socialista plenamente desenvolvida e a ausência de participação
efetiva dos trabalhadores na gestão democrática da sociedade.
Precisamente no
referido a esses últimos aspectos, chamava a atenção a passividade da sociedade
soviética diante dos problemas da vida cotidiana, fenômeno que se manifestaria
também nos últimos anos de existência da URSS. No que se refere à necessidade
de uma nova forma de vida, o politicólogo russo Serguei Kara-Murza forneceria
uma interpretação interessante sobre o tema, ao apontar:
“... a vida do
povo soviético com seu bem-estar garantido (inclusive se este tivesse sido
grande!) se converte em uma existência sem objetivos (…) Para um cidadão médio
era enfadonho viver no socialismo soviético desenvolvido. E nosso projeto não
propôs saída alguma para esse tédio (…) O socialismo que os bolcheviques
construíram era efetivo como projeto para pessoas que haviam sofrido desgraças
(…) Mas o projeto não respondia às exigências de uma sociedade próspera que já
havia sofrido e esquecido a desgraça.”
Por outro lado,
estava presente o crescimento de uma economia privada ilegal, também chamada de
segunda economia que, – segundo estimativas já mencionadas anteriormente –
alcançava um nível equivalente a 20% do PIB em 1988. A presença dessas
ilegalidades se vinculava à extensão da corrupção no aparato estatal soviético
durante o mandato de Brezhnev, fenômeno que foi inicialmente objeto de atenção
prioritária por Yuri Andropov em seu breve período de mandato.
No âmbito da
política econômica e do sistema de direção da economia, a ziguezagueante
evolução das reformas dos últimos 20 anos não haviam trazido os resultados
esperados. Não obstante, é preciso esclarecer que – apesar das dificuldades
apontadas – a economia soviética não se encontrava então em meio a uma crise
irreversível e mesmo que seja possível falar de um estancamento naqueles anos,
há que se referir também à necessidade – não satisfeita – de consolidar um
crescimento intensivo por meio do incremento da produtividade do trabalho.
Apesar das dificuldades, deve se apontar que o nível de existência material do
cidadão soviético médio havia aumentado notavelmente entre 1965 e 1985.
Tampouco deve ser
deixado de lado o fato de que desde o final da década de 1970 a URSS enfrentava
um reforço na ofensiva política e militar do Ocidente, encabeçada por Ronald
Reagan nos Estados Unidos e Margareth Thatcher na Grã-Bretanha. Buscava-se –
por diferentes vias – exacerbar as dificuldades econômicas do país por meio de
uma política de sanções; romper o equilíbrio militar, especialmente no teatro
de operações europeu, através da instalação de novas armas estratégicas –
particularmente o Sistema de Defesa Antimísseis – no que se conheceria
popularmente como “guerra das estrelas” e elevar as contradições internas nos países
da Europa Oriental, assim como suas diferenças com a União Soviética. Um
impacto evidente dessas pressões se manifestaria no gasto estimado entre 3 e 4
bilhões de dólares anuais para sustentar a presença de tropas soviéticas no
Afeganistão – de onde só se retirariam em 1989 – e a transferência de 1 a 2
bilhões de dólares anualmente para apoiar o governo polonês frente à ofensiva
antissocialista do Sindicato Solidariedade a partir de 1981.
Como é lógico, os
temas econômicos despertaram a imediata atenção de Gorbatchov e sua equipe. De
fato, as primeiras medidas adotadas em 1985 apresentaram uma reconsideração das
metas de crescimento para o quinquênio 1986-1990.
Curiosamente,
somente dois meses após ocupar o cargo o secretário-geral mostraria um critério
que contrastava com os que predominavam desde as reformas econômicas
anteriores: “Muitos de vocês veem a solução de seus problemas acorrendo
a mecanismos de mercado no lugar da planificação direta. Alguns de vocês veem o
mercado como o salva-vidas para os problemas econômicos, mas, camaradas, vocês
não devem ver o salva-vidas mas sim o barco e o barco é o socialismo”. Mas
esses critérios – assim como muitos outros – mudariam rapidamente na visão do
máximo dirigente soviético.
Na evolução da
política interna da URSS durante os últimos anos de sua existência, podem ser
delimitadas claramente três etapas: 1985-1987, 1988-1989 e 1990-1991.
Durante os dois
primeiros anos do mandato de Gorbatchov, se deu continuidade à maioria das
linhas traçadas por seu antecessor, mediante uma política na qual pretendia-se
aperfeiçoar a gestão econômica nos marcos do socialismo. Muitas das ideias
acerca da necessidade de profundas mudanças já haviam sido formuladas por
Gorbatchov no Pleno do CC do PCUS de dezembro de 1984 – onde já se falava da
perestroika – e no Pleno correspondente a abril de 1985. A ênfase seria posta
no desenvolvimento mediante a utilização do potencial científico técnico do
país.
A apresentação de
um programa econômico mais amplo se fez no XXVII Congresso do PCUS em fevereiro
de 1986, que – em síntese – contemplava tornar mais eficiente a direção
centralizada da economia, estender resolutamente a autonomia às empresas,
passar a métodos econômicos de direção, utilizar para a administração as
estruturas orgânicas modernas e democratizar todos os aspectos da
administração.
Um aspecto que
incidiria nos resultados da direção da sociedade soviética foi a decisão
imediata de substituir dirigentes em todos os níveis, o que – embora pudesse
ser justificado a partir de diferentes pontos de vista – na prática
contribuiria para a instabilidade que se observou nos processos de direção
durante esses anos. De tal modo, no prazo de um ano se substituiu 50% dos
membros do Burô Político, cinco dos 14 secretários do partido a nível
republicano, foi dado baixa a 50 dos 157 secretários do partido a nível
regional e distrital e no total se substituíram cerca de 15.000
administradores.
Simultaneamente,
foram promovidos ao Burô Político sucessivamente três dirigentes que exerceriam
uma grande influência em Gorbatchov e no futuro da sociedade soviética nos anos
seguintes.
Essas pessoas
foram Alexandr Yakovlev, que havia ocupado cargos de importância na
esfera da propaganda e da mídia no Comitê Central, e que também fora embaixador
no Canadá durante 10 anos e que se tornaria secretário do Comitê Central e um
dos assessores políticos mais importantes de Gorbatchov; Eduard Shevardnadze,
que havia dirigido o partido na Geórgia e que passaria a ocupar o cargo de
Ministro de Relações Exteriores; e Boris Yeltsin, dirigente do partido na
cidade de Sverdlovsk, que foi designado para o importante cargo de secretário
do PCUS na cidade de Moscou. Os três eram conhecidos – com diferentes
matizes – por suas posições críticas e reformistas de corte social-democrata,
que derivariam para expressões claramente anticomunistas e antissoviéticas no
decorrer desses anos.
Durante esse
período inicial, se sucederam rapidamente um conjunto de medidas de caráter
socioeconômico.
Em primeiro lugar
e para impulsionar o desenvolvimento, em junho de 1985 foram criados 23 novos
complexos científicos e modificado o plano quinquenal em outubro para priorizar
a produção de equipamentos tecnológicos avançados. Para se ter uma ideia da
mudança que se implementava, deve ser levado em consideração que naquela época
mais de 70% do potencial científico da URSS estava vinculado diretamente ao
complexo industrial-militar, portanto uma transformação a curto prazo no
emprego desse potencial era uma tarefa de enorme complexidade para intensificar
a produção e ao mesmo tempo assegurar a defesa do país.
Em uma decisão de
elevado impacto social, Gorbatchov lançou uma campanha contra o consumo de
álcool em maio de 1985, um problema que – efetivamente – durante muitos anos
havia incidido negativamente na saúde e na disciplina laboral soviética. Para
isso, diminuiu a produção de vodka e limitou os horários de venda da bebida,
medidas que – no entanto – não atacaram as complexas e profundas raízes do
fenômeno na história do povo russo, não contaram com o necessário apoio social
e a longo prazo resultaram ineficazes, já que se produziu um notável incremento
da produção da aguardente caseira em alambiques clandestinos.
Igualmente, em
maio de 1986, se implementou uma nova legislação para controlar os rendimentos
não provenientes do trabalho, em um processo que tampouco aprofundou as causas
da existência, desenvolveu a economia informal e não produziu resultados
socialmente favoráveis. Por outro lado, em novembro desse ano se aprovou uma
nova legislação sobre o trabalho individual que contribuiria para formalizar um
conjunto de atividades que se desenvolviam a margem da lei. Curiosamente, nessa
legislação não se autorizava o trabalho assalariado, princípio que se
abandonaria posteriormente. Finalmente em novembro de 1987 aprova-se uma
legislação que permite a entrega em arrendamento de bens estatais, preâmbulo da
privatização de bens públicos que se abriria caminho pouco tempo depois.
Também como
exemplo das mudanças institucionais que, com um enorme alcance, foram
empreendidas a toda a velocidade na estrutura do governo, no final de 1985 se
criou uma espécie de superministério para gerenciar a produção agroindustrial
sob a denominação de Gosagroprom, que flexibilizou a produção agrícola com uma
orientação mercantil, mas que tampouco produziu os impactos esperados e se
dissolveu com a mesma rapidez com que foi criado, em abril de 1989.
No âmbito da
transformação nas relações de propriedade, foi aprovada a criação das
cooperativas não agropecuárias em outubro de 1986, que – segundo o critério de
vários analistas – serviu mais para cobrir atividades ilegais do que para criar
uma nova forma de gestão social. De igual modo, em janeiro de 1987 o país se
abriu novamente ao investimento estrangeiro, fenômeno que não havia estado
presente desde os anos da NEP e que teve um frio acolhimento no exterior, pois
no final do ano só haviam sido investidos 89,3 milhões de dólares sob esse
conceito.
Uma transformação
de enorme transcendência no âmbito da propriedade estatal foi a aprovação de
uma nova lei da empresa estatal em junho de 1987 sob os princípios da
autonomia, a autogestão e o autofinanciamento que abria um espaço maior ao
mercado reduzindo o papel da planificação e a direção central das empresas.
Nessa legislação se percebia uma clara influência da reforma econômica que
sobre o tema havia se desenvolvido desde o início dos anos 1980 na Hungria.
Finalmente, o
Pleno do Comitê Central em junho de 1987 aprovou o que se denominou como
Programa para a Reforma Econômica Radical, que – em síntese – assentaria as
bases para ingressar no socialismo de mercado na URSS. Ao longo desse processo
pode se apreciar como durante o período que vai de 1985 a 1987 se vai operando
uma transformação da política econômica que rompe com as premissas das reformas
econômicas anteriores e começam a aparecer sinais claros de mudanças que se
distanciam das premissas essenciais adotadas para aperfeiçoar o socialismo.
Nesse ponto deve
ser destacado que houve dois conceitos cujo conteúdo presidiria as
transformações a serem empreendidas, mas que iriam se transformando com o
tempo. O primeiro era a perestroika, que pode ser traduzido como reconstrução
ou reestruturação e o segundo foi a glasnost, ou transparência. Em
ambos os casos, inicialmente o alcance das mudanças a serem introduzidas se
enquadravam nos marcos do socialismo, unindo-se às exigências pela
democratização dos processos de direção social com esse mesmo referente.
No entanto, já
a partir dos acordos do Pleno do Comitê Central do PCUS de janeiro de 1987 se
introduz um conceito de democratização com referentes liberais próprios da
sociedade burguesa e se vão desfazendo os aspectos socialistas de atuação da
perestroika e da glasnost como instrumentos para aperfeiçoar o socialismo,
transformando-se gradualmente em elementos para seu questionamento.
Simultaneamente –
no âmbito dos meios de comunicação – a exigência de maior transparência na
governabilidade social se focaliza em uma revisão histórica do desenvolvimento
da URSS e – particularmente – a uma avaliação crítica do fenômeno do
stalinismo. Nesse processo abriu-se caminho a inimigos declarados do
socialismo e nunca foi realizada uma análise ponderada da complexa história do
país, o que fez com que tudo isso conduzisse a uma campanha que terminaria
questionando as indiscutíveis conquistas do socialismo na sociedade soviética e
a criar uma enorme confusão na sociedade.
Ao terminarem
esses dois primeiros anos, os resultados econômicos mostraram uma tendência ao
retrocesso com o crescimento da renda nacional que baixou de 2,3% em 1986 para
1,6% em 1987; a produção industrial decresceu de 4,4% para 3,8% e a produção
agropecuária de 5,3% se contraiu 0,6%.
A partir desse
momento o debate oscilaria em torno da aplicação das reformas, por um lado, e
da adoção de medidas imediatas de estabilização econômica, por outro.
VI
Como foi destacado
anteriormente, o debate em torno da necessidade de estabilizar a economia para
poder levar adiante as reformas se agudizou notavelmente entre 1988 e 1989.
A partir dos
resultados econômicos de 1987, era evidente que o país se enfiava em uma crise
derivada do desequilíbrio financeiro interno unido ao vazio que começava a se
manifestar na direção da economia.
Além disso, as
contradições no seio da direção do país se manifestaram com força na esfera
política. Surgiram dois cenários de intenso debate interconectados: por um
lado, se desenvolvia uma intensa campanha que questionava o papel do PCUS na
sociedade soviética e, por outro, se criticava com força a ineficiência da
reforma econômica aplicada até esse momento. Neste processo cabe destacar o
enfrentamento de Gorbatchov com Yeltsin em novembro de 1987, que levou à
separação deste último de seus cargos no PCUS, embora ocuparia um cargo
ministerial de segunda ordem posteriormente, até ressurgir como líder da
oposição em 1989.
O enfrentamento e
a divisão no seio do Partido seriam conhecidos publicamente no Pleno do CC
celebrado em janeiro de 1988, quando a direção dos chamados reformistas
radicais acusou o próprio Partido de se opor à perestroika, tendência que
acabaria por se impor na XIX Conferência do PCUS celebrada em junho desse ano,
em que – também – se aprovou liquidar o papel do Partido na direção da gestão
econômica do país.
Se produziu assim
uma reformulação da linha política aprovada no XXVII Congresso e se consagrou a
necessidade de uma mudança no sistema político soviético para transformá-lo em
um regime presidencialista, com um parlamento no melhor estilo das democracias
burguesas. Isso se materializou durante o primeiro semestre de 1989 ao se
eleger em maio o novo Congresso de Deputados Populares e o Soviete Supremo da
URSS. O Congresso teria 1.500 deputados eleitos para um período de cinco anos,
deles 750 assentos seriam reservados para o Partido e as organizações afins.
Dentre os deputados se elegeria uma espécie de Soviete Supremo bicameral como
órgão permanente que deveria prestar contas ao Congresso.
Em meio a essas
polêmicas, o debate econômico enfrentou duas tendências: por um lado, aqueles
que defendiam uma rápida implementação das reformas e por outro os que
expressavam a necessidade urgente de estabilizar a economia previamente.
Nessas discussões
venceu o critério de ir em busca da estabilidade mediante uma maior
liberalização da economia. De tal modo, em maio de 1988 se aprova uma nova lei
de cooperativas não agropecuárias, que – a partir das consequências que gera o
crescimento da especulação – seria modificada em outubro de 1989; no mês de
julho de 1988 se limita a participação estatal nas empresas, restringindo assim
seriamente a capacidade do planejamento estatal para dispor de produções e
serviços com a intenção de serem utilizados de acordo com os interesses
sociais; e no verão do mesmo ano se aprova pela primeira vez o arrendamento de
terras de propriedade estatal para serem exploradas por trabalhadores
individuais ou cooperativas, processo que aponta cada vez mais para a
privatização da propriedade pública.
No ano seguinte,
diante das enormes dificuldades no mercado interno, os produtos de primeira
necessidade são racionados e é estabelecida uma regulação dos preços em
novembro de 1989, mas ambas as medidas não cumprem os objetivos previstos a
partir do enfraquecimento do Estado para sua implementação frente às medidas
que fortalecem cada vez mais os mecanismos de mercado. Essa tendência se
fortalece adicionalmente pela aprovação que se produz de arrendar bens ou
empresas estatais por entidades privadas ou cooperativas.
No entanto, o
elemento que marcou formalmente o início do fim da economia socialista foi a
aprovação em novembro de 1989 da primeira proposta integral de transição a uma
economia de mercado regulada. Nessa
proposta se incluía uma denúncia inequívoca da planificação central e uma
defesa do mercado; defende-se o pluralismo nas formas de propriedade; e se
exigia uma mudança radical no sistema econômico, por meio de um processo
gradual de introdução da economia de mercado a partir de 1991.
Conjuntamente no
âmbito político se produziu uma transferência do poder real do Partido e do
Estado para o Congresso de Deputados Populares e para o novo Soviete Supremo
eleitos em maio de 1989, iniciando-se assim a reconfiguração do aparato estatal
de acordo com o modelo do Ocidente.
Não de menor
gravidade era o incremento dos conflitos interétnicos, como o desencadeado no
Cazaquistão em 1986 e o enfrentamento armado em 1988 entre Armênia e Azerbaijão
pelo enclave de Nagorno-Karabakh. Ao mesmo tempo era iniciado um processo
secessionista de Letônia, Lituânia e Estônia – que declaram sua soberania entre
maio de julho de 1989 – ao qual seguiria a insubordinação frente ao poder
central do resto das repúblicas da União.
A evolução dos
indicadores socioeconômicos desses anos marcou o último período de crescimento
da URSS. Assim, a renda nacional aumentou 4,4% em 1988 e desacelerou 2,4% em
1989; a indústria cresceu respectivamente 3,9% e 1,7%; o setor agropecuário
aumentou 1,7% e diminuiu em seu avanço para somente 1% em 1989; enquanto que a
dívida externa se elevou de 43 bilhões para 54 bilhões de dólares. Já em 1989 a
pobreza afetava 15% da população soviética.
Essa situação
crítica não passou inadvertida por uma parte da classe operária que – pela
primeira vez – em julho de 1989 desencadeou extensas greves no setor da
mineração que estalaram na Ucrânia, Rússia e Cazaquistão, encabeçadas por
grupos independentes a margem dos sindicatos oficiais, dando início a uma série
de protestos sociais que já não desapareceria até o fim da URSS.
Por outro lado,
durante esses anos na esfera das relações internacionais a posição soviética
sofreria um deterioramento marcado já visível no fracasso da cúpula
Gorbatchov-Reagan em Reykjavik celebrada em outubro de 1986, ao que seguiria o
início de um processo de desarmamento unilateral da URSS frente à resistência e
beligerância ocidental.
Como parte desse
processo se produziria simultaneamente a retirada das tropas soviéticas do
Afeganistão, tornada pública em fevereiro de 1988; o anúncio em dezembro de
1988 da redução unilateral de 500 mil efetivos militares no exército soviético
e a retirada de seis divisões de tanques da Europa Oriental; assim como a
declaração de julho de 1989 de que as nações membros do Pacto de Varsóvia
estavam livres para escolher seu próprio caminho ao socialismo, o que
significou na prática o princípio do fim da aliança política com as chamadas
democracias populares europeias e seus governos. Este último se expressaria
dramaticamente nas posições de Gorbatchov em relação ao governo de Erich
Honecker na RDA [7].
A desconexão
soviética do que começou a ocorrer na Europa Oriental a partir da derrubada do
socialismo na Polônia, onde as eleições do verão de 1989 levaram ao poder o
Sindicato Solidariedade em detrimento do POUP [o Partido Comunista] e até a
reunificação alemã em outubro de 1990, foi um processo negativo em todos os
aspectos para a direção da URSS, a que – no entanto – não fez outra coisa senão
se retrair diante desses acontecimentos, sem reagir ao que essa enorme
transformação na correlação de forças na Europa significava para a política
internacional do PCUS.
VII
Os anos de 1990 e
1991 mostraram uma União Soviética em uma crise política terminal.
Uma rápida
sucessão de acontecimentos em 1990 marcou – com toda clareza – o rumo
definitivo para a destruição do Partido e do Estado multinacional. De tal modo,
o Pleno do CC do PCUS de fevereiro – dominado pelas forças de direita – aprovou
a renúncia do Partido de ser a força dirigente da sociedade soviética;
Gorbatchov foi eleito presidente em março, tratando de concentrar todo o poder
possível em suas mãos e governando por decreto, ao tempo que Yeltsin ressurgia
como presidente da Rússia em maio, encabeçando o bando dos “democratas” e
iniciando uma confrontação em todos os níveis com o governo central. Em meio a
esses acontecimentos, em julho de celebrou o XXVIII Congresso do PCUS, que
confirmou a capitulação de seus dirigentes e revelou o surgimento de diferentes
facções no Partido [8], enquanto o centro da discussão foi como transitar para
uma economia de mercado.
Durante o ano de
1990 os debates econômicos no aparato estatal se concentraram em como acelerar
a passagem para o capitalismo. Surgem assim o “Plano dos 400 dias” em
fevereiro, o “Plano dos 500 dias” em julho e o chamado “Plano do Governo” em
setembro. Depois de um intenso debate parlamentar no outono desse ano, se
adotou o plano apresentado por Gorbatchov, conhecido como o “Plano
Presidencial”, resultado de múltiplos compromissos políticos e onde se
recolhiam os postulados fundamentais do “Plano dos 500 dias”. Previamente havia
sido outorgada total legalização à propriedade privada em março e em outubro
havia sido liberalizado totalmente o investimento estrangeiro.
Também cabe
apontar que essas transformações não envolviam somente a URSS. Assim, em junho
de 1990, o governo soviético decidiu unilateralmente que a partir de 1991 as
trocas comerciais nos marcos do CAME [ou Comecon – Conselho para Assistência
Econômica Mútua] seriam realizadas a preços do mercado mundial e em divisas
livremente convertíveis, terminando assim de um só golpe todo o esquema de
colaboração que vinha funcionando durante mais de 40 anos, ao acabar com os
preços preferenciais e o pagamento em rublos transferíveis.
Essa decisão teria
uma forte incidência em nosso país e – após infrutíferas comunicações [9] com a
direção soviética – Cuba se viu obrigada a proclamar o início do Período
Especial em 29 de agosto de 1990.
Os resultados
econômicos de 1990 foram desastrosos: a renda nacional caiu 4%, a indústria
1,2%, o setor agropecuário 2,3% e a pobreza golpeou 27,6% da população.
As medidas
econômicas e as decisões políticas adotadas em 1991 revelavam um estado de
desespero na direção do governo. Desse modo, diante do crescente separatismo
das repúblicas soviéticas, foi realizado um plebiscito em março de 1991 em que
a população votou majoritariamente por manter a URSS, o que não freou a
tendência de desintegração, ainda que Gorbatchov tenha dedicado todo o seu
esforço infrutífero à assinatura de um novo tratado da União.
No âmbito da
economia, foi implementada em março uma reforma monetária e de preços que
elevou os mesmos sem que se compensasse adequadamente os estratos mais
vulneráveis da sociedade. Tudo isso provocou um forte repúdio da população e
determinou o fracasso das medidas propostas.
Em abril o governo
aprovou um pacote de medidas de emergência que avançava no processo de
desestatização e privatização, embora deixasse sua implementação nas mãos das
repúblicas.
Na medida em que o
ano transcorria, se fez cada vez mais evidente a luta do governo para conservar
o poder, ainda a custa de maiores concessões ao Ocidente, partindo da suposição
absurda de que os governos burgueses estariam interessados em ajudar a URSS em
sua transição para o capitalismo mas sob as bandeiras de um socialismo reformado,
ao menos formalmente.
Um exemplo dessas
posições foi a viagem aos Estados Unidos dos economistas Evgueni Primakov e
Gregor Yavlinksy em maio de 1991 para discutir o programa de reformas com
especialistas norte-americanos, incluindo o secretário de Estado James
Baker. O pedido de recursos financeiros com esse propósito foi fixado
entre 150 e 250 bilhões de dólares.
Como resultado
dessas consultas e contando com o suposto apoio ocidental, em junho de 1991 se
aprovou um novo plano de transição ao capitalismo conhecido como “Plano
Yavlinsky”.
Formando parte
desse plano e diante da ausência de uma resposta clara, Gorbatchov se dirigiu à
Cúpula do Grupo dos Sete que foi celebrada em Londres em julho de 1991.
Contudo, o dirigente soviético não alcançou nenhum dos resultados esperados.
Não foi sequer convidado oficialmente e teve ignorada sua carta de 23 páginas
enviada a cada um dos mandatários ali reunidos.
O fracasso dessa
missão foi uma grande humilhação para o governo soviético e as contradições no
seio dos distintos grupos de poder presentes na direção do país explodiram em
18 de agosto de 1991, quando um grupo de ministros e membros do Comitê Estatal
para Situações de Emergência [CESE] [10] – encabeçados pelo vice-presidente
Guennadi Yanaev – tentaram reverter a situação por meio de um golpe de Estado.
Entretanto, deve
se destacar que esses elementos não estavam contra à transição à economia de
mercado. Melhor dizendo, eles resistiam em aceitar a forma pela qual a
transição vinha transcorrendo, especialmente ao apontar no Chamado que
emitiram, entre outras críticas: “Somente gente irresponsável pode confiar em
certa ajuda do exterior.”
Essa última
tentativa de frear a forma em que estava ocorrendo a transição para o
capitalismo fracassou e não contou nem com o apoio do exército nem da
população.
De fato, tempos
depois foi descoberto que os golpistas haviam consultado Gorbatchov para que se
pusesse à frente do golpe e enfrentasse Yeltsin pela força.
Ainda hoje o
significado do ocorrido em agosto de 1991 permanece sem ser esclarecido em
muitos aspectos. No entanto, ficou claro que os líderes do golpe – entre os
quais se encontravam o chefe da KGB [11], Vladimir Kriuchkov, e o ministro da
Defesa, Dimitri Yazov – pensavam que Gorbatchov estaria a seu lado e assim
haviam assegurado a Yeltsin, mas quando Gorbatchov recusou as proposições dos
principais dirigentes do CESE propagou o pânico, posto que não tinham
absolutamente nenhum plano para a tomada do poder.
Após a tentativa
de golpe de Estado, instalou-se um vazio em que o presidente da URSS perdeu
efetivamente todas as suas faculdades e Boris Yeltsin emergiu como o “defensor
da democracia”, passando a ter o pode real a partir de sua posição como
presidente da Rússia.
A partir daí
praticamente todas as repúblicas se declararam independentes. Em setembro o
PCUS foi ilegalizado [12] e se dissolveu o Congresso de Deputados Populares,
criando-se estruturas políticas provisórias que regeriam durante o período de
transição que se abriu até o final do ano.
O desastre econômico
do último ano de existência da URSS se refletiu em uma queda de 15% da renda
nacional, diminuiu 7% a produção industrial e a produção agropecuária foi
reduzida em 9%. No final de 1991, 31% da população soviética vivia na pobreza.
Sob a direção
efetiva de Yeltsin, em 21 de dezembro seria constituída a Comunidade de Estados
Independentes com 11 das 15 repúblicas federadas [13], em 25 de dezembro
Gorbatchov renunciou e em 31 de dezembro de 1991 a União Soviética desapareceu
oficialmente.
- Conclusão.
Como foi apontado
nos artigos anteriores, o desaparecimento do socialismo na URSS foi motivado
por múltiplas causas, que se engendraram durante um longo período de tempo e no
qual o papel das diferentes personalidades políticas em seu devir histórico
contribuiu de diversas formas para o desdobramento final.
Um primeiro fator
essencial na derrubada foi a ausência de uma verdadeira cultura socialista, o
que não assegurou a motivação ideológica capaz de conseguir com que o homem
identificasse seu projeto de vida pessoal com os interesses mais altos da
sociedade, o que, por sua vez, supunha a participação democrática e consciente
daquele na tomada de decisões apropriadamente consentidas entre todos os seus
membros [14].
Um elemento chave
para entender a complexidade da situação já era destacado por Lenin em seus
últimos escritos quando apontava que o desafio essencial era alcançar mais
eficiência na empresa comunista em relação à capitalista, sobre o que
destacava: “(...) ou passamos essa provação com o capital privado ou
fracassamos por completo. Para nos ajudar a sair bem nesse prova temos o poder
político e uma série de diversos recursos econômicos e de outro tipo; temos
tudo o que queiram, menos capacitação (…) o que nos falta é cultura no setor
dos comunistas que desempenham funções de direção.” [15].
Essa cultura – que
pode também ser entendida como o conhecimento indispensável para construir o
socialismo – nunca se conseguiu criar plenamente. Em seu lugar, frente às
inevitáveis contradições desse processo, surgiu a imposição autoritária e a
repressão do dissenso por parte de uma elite dirigente divorciada das massas e
burocratizada até a medula que esqueceu os ensinamentos de Lenin, cegou as
potencialidades do socialismo como sistema e contribuiu para o colapso desse
modelo.
Após a morte de
Lenin, “Stalin foi o rosto visível e a figura representante da nova camada
dirigente que foi rompendo gradualmente vínculos com a direção genuinamente
revolucionária (com maior ênfase depois da morte de Lenin), e foram se
desfazendo dos mecanismos fraquíssimos de controle político das massas” [16].
“Aos principais
cargos administrativos foram chegando figuras de nível secundário dentro da
revolução, fato motivado, entre outros fatores, porque muitos antigos combatentes
pereceram durante a guerra civil, ou foram se separando das massas com
promoções ou cargos de menor relevância ou porque simplesmente o cansaço dos
duros anos de combate e as circunstâncias hostis em que se vivia esmurecia a
resistência de alguns homens. Essa foi uma das fontes de onde a casta em
gestação se nutriu.” [17]
A isso se somaria
a tradição burocrática do estado czarista, do qual muitos ex-integrantes foram
utilizados como pessoal técnico especializado, mas que também portaram o germe
do processo de burocratização do estado socialista desde o início da Revolução.
Nesse contexto, a
imposição de decisões a partir dos níveis superiores de direção, sem gestar o
apoio político indispensável para sua aplicação, conduziu a fenômenos como a
coletivização forçada da terra no início dos anos 30 e a um processo de
industrialização por marchas forçadas, que deixou suas marcas em mais de uma
geração de soviéticos.
Adicionalmente e
ao contrário do que ocorreu sob a direção de Lenin – que sempre, mesmo nas
circunstâncias mais difíceis, estimulou o debate interno sobre diversos
aspectos da construção socialista –, nos anos 30 Stalin enfrentou a oposição a
suas ideias e para isso desencadeou um processo de expurgos internos dentro do
próprio aparato do partido e do estado soviético que levou à liquidação física
de sua direção histórica, processo que culminaria com o assassinato de Trotsky
no México em 1940.
Ainda hoje dá
trabalho avaliar o enorme impacto negativo que esses processos tiveram para a
direção da União Soviética [18], a construção do socialismo e as ideias do
marxismo em geral.
Essas tendências
negativas só foram criticamente analisadas de forma parcial pela direção do
PCUS durante um curto período de tempo – de 1956 a 1961 – e os efeitos dos erros
cometidos não foram superados pelos sucessivos governos soviéticos que
existiram até o desaparecimento da URSS em 1991.
Entretanto, embora
os aspectos políticos tenham tido um peso decisivo na evolução do socialismo
soviético, também os erros no âmbito da economia teriam uma significativa
participação nisso. Nesse caso, trata-se especialmente da incorreta
interpretação das relações monetário-mercantis e o papel do mercado no
socialismo, ao assimilá-los como uma simples técnica para a atribuição ótima de
recursos na microeconomia, o que – ao ser generalizado – deu origem ao chamado
socialismo de mercado, que gerou um impulso a tendências economicistas e
tecnocráticas, deixando de lado a necessidade indispensável de compensar os
efeitos sociais negativos da economia mercantil.
Outros muitos
erros foram derivados dessas causas essenciais. Entre eles cabe destacar a
subestimação do consumo; o atraso secular da produção agropecuária; a
compartimentação da ciência limitada ao âmbito do complexo militar-industrial,
não aplicando seus resultados à produção e aos serviços da esfera civil; e a
expansão excessivamente onerosa do gasto militar.
Os métodos de
direção aplicados e seus efeitos nocivos propiciaram também o aparecimento da
corrupção, o enriquecimento ilícito e a expansão do mercado negro na economia
soviética, especialmente nos últimos 20 anos de sua existência. A isso se
somaria uma consciência social penetrada por práticas consumistas e a ausência
cada vez maior de um compromisso real com a sociedade socialista entre uma
parte crescente da população.
No entanto, apesar
de todos os erros e contradições, a sociedade soviética mostraria avanços
inquestionáveis que elevaram o nível de vida e o fortalecimento do estado
soviético baseado no enorme esforço de seu povo.
O risco da
simplificação na análise de processos históricos tão complexos sempre esteve
presente. Por isso é indispensável nesse ponto assinalar que na interpretação
da história do chamado socialismo real, a maioria das análises contrapõem o
ocorrido com o que teoricamente deveria ter sucedido, ao que se acrescenta a
tendência de muitos autores a não levar em consideração as condições em que
esses processos transcorreram realmente e seu impacto no desenvolvimento dos
povos, ao compará-los com a alternativa que o capitalismo teria oferecido para
seu desenvolvimento.
Certamente não se
trata de justificar a posteriori os resultados da experiência socialista
soviética a todo o custo, mas muitas vezes se expressam critérios que só
refletem os ângulos mais obscuros do socialismo e se descarta até o mais
modesto reconhecimento ao que essa experiência pode ter deixado de positivo.
Nesse sentido,
além de considerar todas as agressões que o povo soviético e seus dirigentes
tiveram que enfrentar, não é possível esquecer que as novas relações sociais a
serem criadas deviam ser conscientemente assumidas pelos trabalhadores, em um
processo de acelerada aquisição de conhecimentos e assimilação crítica da
realidade, que supunha simultaneamente a superação dos hábitos da sociedade
mercantil e a implantação da solidariedade social.
Esse processo –
inédito na história – supunha um desenvolvimento político e ideológico de
adaptação às novas condições sociais que não poderia transcorrer sem atravessar
complexas circunstâncias e profundas contradições, especialmente se for levada
em conta a tradição que durante séculos levou o ser humano a se enfrentar com
seus semelhantes para conseguir sobreviver.
Na medida em que
os fatores subjetivos não se desenvolveram suficientemente para permitir uma
compreensão dessa complexa transição, foi até certo ponto lógica primeiro a
aceitação e depois a assimilação acrítica de todo o arsenal de ideias do
sistema capitalista, cujas armas deterioradas – como havia advertido o Che –
não podiam servir para a construção da nova sociedade.
A visão política e
a coragem necessária para transitar para o socialismo em meio às enormes
dificuldades que esse processo apresentava se expressou claramente nas
valorizações de Lenin e os companheiros bolcheviques que seguiram seus passos.
Mas sua genialidade e sacrifício não os eximiu de cometer erros, aos quais se
somaria depois a fraqueza humana dos dirigentes que em nome do socialismo não
puderam ou não quiseram desenvolver suas potencialidades como sociedade
superior na luta entre os dois sistemas.
Faltaria apenas a
gestão de uma pessoa como Mikhail Gorbatchov que, supostamente combatendo as
deformações do socialismo soviético, terminou alimentando as tendências
anticomunistas e pró-capitalistas presentes na direção do país, contribuindo
assim, decisivamente, para a aceleração do processo de destruição da URSS.
Ao se produzir o
desaparecimento oficial da URSS em dezembro de 1991, uma parte dos antigos
dirigentes do PCUS – nos quais se sintetizaram muitas das carências e erros do
socialismo soviético – passou a encabeçar a transição ao capitalismo à frente
dos novos estados que haviam surgido.
Foram os casos de
Boris Yeltsin na Rússia, que governou o país entre 1991 e 1999; Islam Karimov,
que preside o Uzbequistão desde 1992 até os dias atuais [N.T.: Karimov faleceu
em setembro de 2016, aos 78 anos]; e Nursultan Nazarbaev, que presidiu o
Cazaquistão nesse mesmo período. Também ocorreu a continuidade de antigos
dirigentes soviéticos nos casos do Azerbaijão com Gueidar Aliyev, que foi
dirigente do país entre 1993 e 2003; no Quirquistão, onde Askar Akayev governou
o país entre 1990 e 2005 e na Geórgia com Eduard Shevardnadze, que foi
presidente entre 1992 e 2003.
No caso da Rússia,
o governo de Yeltsin não somente se caracterizou pela aplicação de uma terapia
de choque de um enorme custo econômico e social para o povo russo mas também
deu lugar ao que alguns autores denominaram como “capitalismo delinquencial” ou
“capitalismo criminoso”, considerando sua atuação a margem da lei e seu
estreito vínculo com a oligarquia ou a máfia russa.
A atividade dos
grupos mafiosos se manifestou claramente através de notórios escândalos durante
os anos 90 e vários de seus principais representantes ocuparam importantes posições
oficiais. Nomes como Boris Berezovski, Mikhail Khodorkovski, Vladimir Potanin,
Roman Abramovich, Vladimir Gussinski e Oleg Deripaska são representativos da
nova oligarquia russa integrada por pessoas que se enriqueceram rapidamente por
meio da corrupção, do suborno e do crime, também ocupando pessoalmente cargos
de importância no aparato estatal.
Se alguma prova
fosse necessária para demonstrar o que se perdeu do socialismo nos 74 anos de
existência da URSS, bastaria examinar os resultados da proclamada transição ao
capitalismo real.
Na realidade, o
desaparecimento do socialismo como sistema não produziu um avanço no
desenvolvimento da sociedade, mas o contrário. Todas as repúblicas que
integravam a URSS – em diferente medida – passaram para o mais brutal modelo
neoliberal, cujos custos e consequências ainda hoje estão sendo pagos.
Basta assinalar
que somente na Rússia durante os anos 90 não se conseguiu recuperar o PIB de
1991 – isso só se alcançaria em 2004, 13 anos depois –, a população reduziu de
148 milhões para 140 milhões de habitantes; a expectativa de vida entre os
homens baixou de 65,5 para 57,3 anos; emigraram mais de 200 mil cientistas para
o Ocidente; o salário real diminuiu 68,3% e a aposentadoria mínima real 67%; o
coeficiente de GINI – que mede a desigualdade na distribuição de renda – subiu
de 0,27 para 0,48; o rublo – que antes de 1991 era cotado acima do dólar – hoje
um dólar equivale a 64.246 rublos daquela época; no final dos anos 90
calculava-se que 50,3% da população estava na pobreza, enquanto que a taxa de
homicídios triplicou e a Rússia estava entre os 20 países mais corruptos do
mundo.
Apesar de ter
ganhado as eleições de 1996 – destacadas como fraudulentas por todos os
observadores – o desgaste político de Yeltsin se acelerou, o que contribuiria a
crise econômica de agosto de 1998, que marcou o ponto mais baixo no desempenho
da economia russa pós-soviética, a qual se somou o deterioramento da própria
saúde do mandatário. De tal modo, em agosto de 1999 Yeltsin nomeou Vladimir
Putin como primeiro-ministro.
Putin provinha dos
serviços de inteligência soviéticos, onde alcançou um grau de tenente coronel.
Entre 1991 e 1996 trabalhou na equipe de Anatoli Sobchak, prefeito de São
Petesburgo. Em 1996 foi trabalhar na administração do Kremlin e em julho de
1998 foi nomeado chefe do Serviço Federal de Segurança.
A escolha de Putin
para suceder Yeltsin surpreendeu muitos analistas. Apesar de não ter figurado
no centro da política russa até então, mostrou capacidade de dar continuidade e
– ao mesmo tempo – desenvolver múltiplas iniciativas para recuperar a
indispensável estabilidade do país e começar uma gradual recuperação de sua
economia.
Enquanto às
estruturas políticas, em 2001 Putin fundou o partido Rússia Unida, que desde
então tem mantido a maioria dos votos no parlamento russo, permitindo que ele
governe – junto a Dimitri Medvedev – sem grandes dificuldades internas.
Durante seu
mandato – e especialmente a partir de 2007 – as posições nacionalistas de Putin
foram se fortalecendo, enfrentando com maior força os interesses hegemônicos do
Ocidente e prestando especial atenção à recomposição do poderio militar do
país. Tudo isso lhe valeu um grande apoio popular, com políticas que também têm
melhorado gradualmente as condições de vida da população.
Atualmente os
indicadores socioeconômicos da Rússia não mostram os desastrosos resultados da
época de Yeltsin, mas a economia ainda não mudou no essencial a sua estrutura
produtiva e as crises impactam nela com maior força em relação a outros países
desenvolvidos. Trata-se assim de uma sociedade capitalista “de segunda ordem” a
qual – além disso – os Estados Unidos buscam destruir no aspecto militar.
Notas
[1] Ver Cien horas con Fidel. Conversaciones con Ignacio Ramonet (Segunda
Edição. Revisada e enriquecida com novos dados). Oficina de Publicaciones del
Consejo de Estado, Havana, 2006, página 206.
[2] A única exceção foi o caso de Lavrenti Beria, que por sua
responsabilidade direta na repressão à frente dos órgãos de segurança do país
desde 1938, foi julgado e executado em dezembro de 1953.
[3] Ver Alec Nove, Historia económica de la Unión Soviética.
Alianza Editorial, Madri, 1973, p. 324.
[4] Esse livro foi publicado em Cuba em 1963.
[5] Suas teses foram conhecidas em Cuba ao se publicar seu
livro Métodos económicos para la elevación de la efectividad de la
produción social. Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 1975.
[6] Em Cuba se publicou sua obra fundamental, La medición de los
gastos y sus resultados en una economía socialista. Editorial de Ciencias
Sociales, Havana, 1975.
[7] Para este trabalho, o autor se apoiou no capítulo I de seu
livro El derrumbe del socialismo em Europa (Ruth Casa Editorial e
Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2014) e no ensaio “La perestroika en la
economía soviética (1985-1991)” incluído no livro de Serguei Glazov, Kara-Murza
e Batchikov El libro blanco de las reformas neoliberales en Rusia.
1991-2004 (Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2007). Também se
recomenda o capítulo I do livro de Ariel Dacal e Francisco Brown, Rusia
Del socialismo real al capitalismo real (Editorial de Ciencias Sociales,
Havana, 2005), assim como os capítulos 4 e 5 do livro de Roger Keeran e Thomas
Kenny Socialismo traicionado. Tras el colapso de la Unión Soviética
1917-1991 (Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2013).
[8] Sobre isso pode se ver o livro de Hans Modrow, La perestroika:
impresiones y confeciones (Cuba Sí Edición Ost, Berlim, 2013, capítulos 4
e 5).
[9] Nessa altura já haviam renunciado ao Partido 250 mil militantes.
[10] Essa situação deu lugar “(...) a numerosas comunicações,
intercâmbios, cartas minhas ao chefe de governo, cartas minhas ao companheiro
Gorbatchov, presidente da URSS, troca de comunicações, gerenciamentos de todos
os tipos, porque era incerta a situação de 1991: que acordos iríamos fazer, que
mercadorias iríamos receber. E como resultado de todos esses intercâmbios e
conversas se conseguiu um acordo para 1991 (…) Esse acordo significava uma
perda de mais de 1 bilhão de dólares para Cuba (...)”, Discurso pronunciado
pelo Comandante em Chefe Fidel Castro Ruz na inauguração do IV Congresso do
Partido Comunista de Cuba, em IV Congreso del Partido Comunista de Cuba
Discursos y documentos (Editora Política, Havana, 1992, p. 28).
[11] Segundo diversas interpretações, o CESE havia sido formado no mesmo
ano de 1991 diante da perda de governabilidade da equipe de direção frente à
crescente beligerância de Boris Yeltsin e em seu seio haviam tido lugar várias
polêmicas com Gorbatchov, que iam elevando o tom das discrepâncias com ele.
Contudo, se apontou como eixo das contradições principais fenômenos de perda de
áreas de influência e corrupção, tese que se mantém no campo da polêmica. Ver
Keeran e Kenny, Op. Cit. pp. 269-278. Ver também uma interpretação diferente no
livro citado de Serguei Kara-Murza, capítulo 26.
[12] Siglas em russo do Comitê de Segurança do Estado.
[13] Esse processo se iniciou na Rússia. Em outras repúblicas o PCUS foi
extinto.
[14] Não integraram a CEI Letônia, Lituânia e Estônia. [A Geórgia só
aderiu à comunidade em dezembro de 1993].
[15] Para este trabalho, o autor se apoiou no capítulo I de seu
livro El derrumbe del socialismo em Europa (Ruth Casa Editorial e
Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2014) e no ensaio “La perestroika en la
economía soviética (1985-1991)” incluído no livro de Serguei Glazov, Kara-Murza
e Batchikov El libro blanco de las reformas neoliberales en Rusia.
1991-2004 (Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2007). Também se recomenda
o capítulo I do livro de Ariel Dacal e Francisco Brown, Rusia Del
socialismo real al capitalismo real (Editorial de Ciencias Sociales,
Havana, 2005), assim como os capítulos 4 e 5 do livro de Roger Keeran e Thomas
Kenny Socialismo traicionado. Tras el colapso de la Unión Soviética
1917-1991 (Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2013).
[16] V.I. Lenin, “Informe político al undécimo congreso del partido”
em La última lucha de Lenin. Discurso y escritos (1922-1923), Editorial de
Ciencias Sociales, Havana, 2011, pp. 55 e 69.
[17] Lenin havia percebido os perigos que carregava a personalidade de
Stalin e desde seu leito de doente se pronunciou ao escrever: “Stalin é muito
rude, e este defeito, ainda que tolerável em nosso meio e nas relações entre
nós, os comunistas, é intolerável no cargo de secretário-geral. Por isso
proponho aos camaradas que pensem em uma maneira de retirar Stalin desse cargo
e designar em seu lugar outra pessoa que em todos os aspectos tenha sobre o
camarada Stalin uma só vantagem: a de ser mais tolerante, mais leal, mais
cortês e tenha mais consideração para com os camaradas, menos caprichoso etc.”
(V.I. Lenin. Carta al congreso del partido, Op. Cit. pp. 232-233. Desde já
nesse documento Lenin se pronunciaria também criticamente sobre outros membros
do burô político, mas alertando especialmente sobre o perigo de ruptura pelo
enfrentamento entre Trotsky e Stalin, coisa que a história se encarregaria de
confirmar pouco tempo depois.
[18] Dacal e Brown, Op. Cit. pp. 4-5.
[19] Basta o seguinte exemplo: “O Comitê Central do Partido Comunista
eleito em 1934 tinha 71 membros. No início de 1939 restavam 21. Três morreram
de morte natural, um (Serguei Kirov) foi assassinado, outro se suicidou, 9
foram tidos como fuzilados e outros 36 desapareceram.” (G.D.H.
Cole. Historia del Pensamiento Socialista. Tomo IV Socialismo y Fascismo
1931-1939. Fondo de Cultura Económica, México, 1963, p. 233.
Camarada, tem como me mandar o link original do texto, em formato de artigo.pdf? Pois gostaria de guardar ele para passar a outros camaradas!
ResponderExcluirGrato!
Excelente texto.
ResponderExcluirSocialismo é necessário. Erros e acertos, vamos construir essa parada
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